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João Alvarenga

Solidão, uma reflexão

27 de Abril de 2024 às 22:05
Cruzeiro do Sul [email protected]
Primeira versão de
Primeira versão de "Quarto em Arles" (1888), óleo sobre tela do pintor holandês pós-impressionista Vincent van Gogh (1853 - 1890) (Crédito: REPRODUÇÃO / INTERNET)

Amigo leitor, a solidão te apavora? Antes de responder, faça uma introspecção para obter um embasamento seguro, a fim de não se deixar levar por falsas impressões a respeito de um tema aparentemente banal. Mas, que, há séculos, mexe com a humanidade. Mais do que isso, tem gerado inúmeras controvérsias. Antigamente, nossos antepassados diziam: “Antes só do que mal acompanhado!” Será que essa máxima encontra ressonância em nossos dias? O fato é que, ao contrário do que se imagina, muita gente “curte” o tal do isolamento voluntário.

Para um determinado grupo de pessoas, frequentar baladas ou shows, em meio a uma massa humana berrando, é algo torturante. Pelo menos é o que uma pesquisa da Universidade de Buffalo, nos Estados Unidos constatou, após entrevistar trezentas pessoas com a finalidade de entender o porquê de tal comportamento. É o que pretendemos investigar, ao longo deste artigo, a fim de desvendar o fenômeno conhecido como “gentefobia”.

Antes, é interessante lembrar que a solidão já foi tema de vestibulares, além de figurar em inúmeras letras de música, poesias, obras de arte, filmes e séries de televisão. A verdade é que esse sentimento inerente a nós, humanos, de uns tempos para cá, passou a ser objeto de estudo de cientistas, uma vez que a simples sensação de se sentir isolado, mesmo estando diante de uma multidão, pode desencadear vários gatilhos emocionais, como tristeza, pânico e depressão.

Estudos constatam, ainda, que os idosos, por precisarem de cuidados especiais, são os que mais sentem o peso do isolamento. Não é atoa que o CVV (Centro de Valorização da Vida) é muito procurado por pessoas que precisam mais do que desabafar, mas se sentirem ouvidas. Por isso, o atendimento, por meio do telefone número 188, praticamente dobra no Natal e Ano Novo, períodos em que a saudade de entes queridos aumenta. Geralmente, são sentimentos de dor pela perda de alguém importante ou mesmo a falta de um rosto amigo em meio à massa. Embora seja paradoxal, a angústia do isolamento se faz mais evidente nos grandes centros urbanos, onde as pessoas poucos se conhecem.

Todavia, enquanto muitos não conseguem imaginar a possibilidade de ficar só, na outra extremidade, há quem encontre prazer na reclusão voluntária, classificada pelos cientistas de “unsociable” (insociabilidade). Muitos dos entrevistados afirmaram que a solidão é libertadora. Os ermitões observam que a criatividade nasce no processo de isolamento, porque não conseguem criar diante de tanto barulho. Nesse quesito, o saudoso compositor João Gilberto, pai da Bossa Nova, era adepto da “tribo do eu sozinho”, pois detestava ser perturbado quando estava compondo. Chegou a abandonar o palco, durante uma apresentação, porque a plateia estava irrequieta.

Também sabemos que a escritora Clarice Lispector seguia na mesma linha, ao dizer: “Que minha solidão me sirva de companhia...” Dizem que Carlos Drummond de Andrade detestava receber visitas. A MPB mostra que o tema é inesgotável. Biógrafos de Vincent Van Gogh salientam que o pintor se exilava no campo, longe do burburinho das cidades, para encontrar inspiração. Desses momentos de profunda reclusão, brindou-nos com belas obras, como a tela em que retrata seu humilde quarto (que ilustra este texto).

Para finalizar esta análise, lembramos que, apesar de tanto sofrimento causado pela pandemia de Covid-19, muitos eremitas sentiram-se completamente à vontade durante o lockdown imposto pela crise sanitária. Isso não foi nada saudável, principalmente às crianças, pois ficaram longe do ambiente escolar. Além disso, a ciência é enfática, ao ressaltar que o progresso humano se deu, ao longo dos séculos, de forma coletiva, e não individualmente. Psicólogos afirmam que nossa evolução intelectual só acontece por meio das interações sociais, das experiências vividas na coletividade, pois somos seres sociáveis. Então, xô solidão! Bom domingo!

João Alvarenga é professor de redação