O que você faria se encontrasse um cachorro no supermercado?
Por mais que seja regulamentado por lei, muitas pessoas ainda desconhecem o livre acesso de um cão-guia em estabelecimentos públicos e privados de uso coletivo. Com isso, os tutores desses cães acabam passando por situações muitas vezes desconfortáveis para entrar em alguns ambientes. Como ocorreu com a socializadora Sidinéia Venancio dos Santos, responsável em sua família por socializar a labradora Zuma.
Em julho deste ano ela foi para Vitória, no Espírito Santo. Sidinéia foi até um shopping da cidade com o cão-guia em socialização e foi impedida de permanecer no local por um segurança. Assim como faz normalmente em ambientes públicos e privados em Sorocaba e Salto de Pirapora, a socializadora entrou no shopping.
Mas, logo foi abordada pelo funcionário que informou que, por ordem da administração do local, não era permitida a entrada de animais, mesmo se tratando de um cão-guia. Ela relata ter sentido na pele o constrangimento passado por pessoas com deficiência visual diante da situação.
No momento em que passava pelo shopping, Sidinéia estava com pressa, mas confessa que pensou em registrar um boletim de ocorrência contra o espaço que não respeitou a legislação. “O sentimento é revoltante. Quando a gente passa por uma dificuldade que uma pessoa com deficiência visual passa entendemos como é a realidade delas.”
Apesar do ocorrido, a socializadora lembra que muitos espaços, apesar de não terem conhecimento desta lei, permitem sua entrada acompanhada por Zuma. Como foi o caso do hotel em que ficou hospedada, que não conhecia a regulamentação, mas de pronto recebeu a hospedagem da labradora em socialização e ainda ficou informado. É importante salientar também que é vedada a cobrança de valores ligados direta ou indiretamente ao cão-guia.
Um supermercado em Salto de Pirapora, inclusive, além de ter conhecimento da lei instalou uma placa para avisar que cumpre com seu papel. Em Sorocaba, a lei 11. 608, de novembro de 2017, regulamenta a afixação de cartazes conscientizando sobre o direito da pessoa com deficiência visual de ingressar e permanecer acompanhado de cão-guia em todos os estabelecimentos comerciais no município.
Deste modo, até mesmo os clientes que passarem pelo comércio e notarem um cão lá dentro saberão do que se trata: um cão-guia sendo os olhos de uma pessoa com deficiência visual ou sendo treinado para isso.
Durante uma viagem para Bauru, Sidinéia passou também por um supermercado. Ela foi informada por funcionários que cães não eram permitidos e logo citou a lei. Problema resolvido! O gerente se retratou, informando não saber da lei e ela e Zuma seguiram para as compras tranquilamente.
Situações como essa só enfatizam a importância e a necessidade da socialização, pois os locais frequentados por Sidinéia ao lado de Zuma certamente acolherão de maneira diferente uma pessoa com deficiência visual com seu cão-guia.
O início do treinamento de Zuma para se tornar um cão-guia está previsto para ocorrer em janeiro de 2020, quando ela deve deixar a casa da socializadora e voltar para o Instituto Magnus.
Entrada permitida
Com a nova turma de cães-guias formada, os estabelecimentos públicos e privados precisam estar preparados para receberem os cães-guias, os quais ajudarão, e muito, uma pessoa com deficiência visual. Esses estabelecimentos precisam cumprir com a lei federal nº 11.126, estabelecida em 27 de junho de 2005, que regulamenta o uso de cão-guia em qualquer ambiente.
A lei assegura à pessoa com deficiência visual acompanhada de cão-guia o direito de ingressar e de permanecer com o animal em todos os meios de transporte e em estabelecimentos abertos ao público e privados de uso coletivo.
Existe também o decreto 5.904, de 21 de setembro de 2006, que regulamenta a lei. Ele estende o mesmo direito ao cão-guia em fase de socialização ou treinamento, com seus acompanhantes habilitados e ainda especifica minuciosamente várias informações a respeito deste direito. Isso significa que a pessoa com deficiência visual tutora de um cão-guia tem assegurado legalmente o direito de entrar em bares, restaurantes, clubes, shoppings, etc.
Treinamento e mobilidade
Ainda que sejam poucos, o número de cães-guias a circularem pelas ruas e avenidas tem aumentado. Isso graças ao treinamento de cães que vem sendo realizado pelo Instituto Magnus, desde 2015. Os terminais de ônibus Santo Antônio e São Paulo, por exemplo, recebem diariamente, em média, 200 mil pessoas e, deste total, uma parcela é de pessoas com deficiência visual.
Segundo a Secretaria de Igualdade e Assistência Social, aproximadamente 15 mil pessoas com algum tipo de deficiência visual vivem em Sorocaba?e na região metropolitana o número chega a 54 mil.?
Pensando em atender às pessoas com deficiência visual que são tutoras de cão-guia, a Urbes, empresa responsável pelo trânsito e transportes na cidade, participou de um treinamento para os motoristas do transporte público, neste ano, oferecido pelo Instituto Magnus.
Quem recebe o treinamento?
Segundo a Janaína Teixeira, coordenadora de relacionamento do Instituto Magnus, qualquer empresa interessada pode receber o treinamento, de pequeno, médio ou grande porte. O serviço é oferecido gratuitamente, basta o estabelecimento entrar em contato com o Instituto.
Uma grande rede supermercados de Sorocaba passou pelo treinamento. De acordo com a coordenadora, os socializadores passaram por alguns problemas no local e relataram ao Instituto, que ofereceu o treinamento aos funcionários.
Na ocasião, a equipe da rede de varejo recebeu instruções sobre o que é um cão-guia e por qual motivo o tutor pode entrar nos lugares acompanhado do animal. O ideal é que o funcionários, principalmente os da segurança, abordem a pessoa que está com o cão-guia, seja uma pessoa com deficiência visual ou um socializador e solicite alguns documentos.
Janaína explica que é como se a pessoa fosse parada por um agente de trânsito, que exige habilitação e os documentos do carro.
No caso da pessoa que estiver com um cão-guia, precisa estar com a carteirinha do Instituto com todas as informações do tutor e socializador e o cão precisa estar com a plaquinha localizada na coleira, também com todas essas informações. Também é necessário andar sempre com a carteira de vacinação do cão.
Como andam Senna e Olívia
Depois de ser socializado, Senna está passando pelo treinamento, sob os cuidados do aprendiz de instrutor de cão-guia, Gustavo Ferraz, no Instituto Magnus e, em breve, será o cão-guia de uma pessoa com deficiência visual.
Conforme Gustavo, logo após sua entrega pelos socializadores, Senna passou por uma adaptação dentro do canil. Ele foi treinado para aprender a não ficar inquieto com o abrir e fechar de portas, por exemplo.
O arreio, equipamento usado pela pessoa com deficiência visual para ser guiada pelo cão-guia, já foi apresentado ao labrador. O instrutor conta que ele também tem passado pelas guias de calçadas e aprender a andar em linha reta, assim como andar e virar para a direita e esquerda conforme os comandos.
O próximo passo do treinamento será introduzir obstáculos no caminho, com cones e outros objetos, para que ele consiga desviar, assim como em situações reais. Todo esse processo de treinamento deve ocorrer até fevereiro de 2020, quando será possível saber se Senna se tornará um cão-guia.
A labradora Olívia já ganhou um tutor e está nos primeiros meses de trabalho ao lado de Gabriel?Vicalvi, que trabalha em um banco na Capital.? (Aline Albuquerque)