Aplicativos oferecem serviço de transporte proibido em Sorocaba
Uber e 99 disponibilizam transporte de moto em Sorocaba, embora não seja permitido por lei municipal
O trânsito do dia a dia e a necessidade de chegar com rapidez aos compromissos fizeram com que muitas pessoas, que antes utilizavam o serviço de transporte privado individual do Uber e da 99, por meio de automóveis de passeio, aderissem a outra modalidade de transporte privado oferecida por essas empresas em Sorocaba: a motocicleta.
No entanto, as duas empresas prestam um serviço que não é permitido na cidade, pois a Lei Municipal 9.413/2010, em seu artigo 5º, proíbe o transporte remunerado de passageiros por meio do uso de motocicletas.
Quem possui os aplicativos instalados nos smartphones pode notar que tanto a Uber quanto a 99 oferecem esse tipo de transporte, mesmo sabendo da legislação municipal que proíbe o serviço. A reportagem questionou quantos motoristas estão cadastrados para fazer corridas de moto em Sorocaba, e a Uber respondeu que não tem esse dado para informar, pois “é uma empresa de capital aberto e não pode compartilhar dados específicos ou regionais”. Já a 99 informou que a empresa não divulga número de motoristas e usuários cadastrados por cidade ou estado.
Comparativo de preços
A rapidez e os valores são os grandes atrativos na hora de optar pelo transporte por moto. Uma simulação de trajeto feita às 10h35 pelo aplicativo Uber, do Centro de Sorocaba ao Campolim, ficou em R$ 6,92 com a moto e R$ 10,95 no automóvel.
Pela 99, ficou em R$ 7,50 na moto e R$ 8,80 no automóvel. No horário de pico, às 18h05, o mesmo trajeto ficou em R$ 9,12 de moto e R$ 19,96 de carro, pela Uber. Na 99, R$ 4,61 de moto (app forneceu desconto de R$ 4,59 na corrida) e R$ 15,20 de carro.
Mesmo sendo informada da lei municipal que proíbe a atividade, a Uber afirma que ela está prevista na Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/2012).
“A norma federal que regulamenta o transporte individual privado de passageiros -- e que estabelece os limites para a regulamentação pelos municípios -- não faz distinção quanto ao tipo de veículo. É comum que a atividade seja desempenhada com automóveis, mas isso não significa que este seja o único modal permitido”.
Por sua vez, a empresa 99 afirma que o serviço de moto atende a uma demanda de transporte emergente e que o acesso é democrático para todos. E ressalta que a modalidade de transporte individual privado por motocicletas e sua intermediação por aplicativos são atividades legais, de acordo com a Lei Federal n° 13.640.
“Pela legislação, o serviço pode ser feito tanto de carro quanto de moto, pois não é especificado o tipo de modal. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu em 2019 pela impossibilidade de proibição, por se tratar de atividade legítima exercida de livre iniciativa e autorizada pela Constituição”.
Município prevalece
Embora a 99 e a Uber aleguem estar amparadas pela Lei Federal, o que prevalece é a legislação municipal. O advogado Renato Campestrini, especialista em trânsito, mobilidade e segurança viária, explica que compete ao município legislar em assuntos de interesse local quando se trata de transporte de passageiros.
“A Constituição Federal estabelece que compete unicamente à União legislar sobre trânsito e transporte, mas no caso de transporte, em assuntos de interesse local, prevalece a legislação municipal. A lei municipal trata do transporte remunerado de passageiros e impede o exercício de qualquer atividade que não seja autorizada pelo município”, arremata.
Assim, se constatado esse tipo de transporte nas operações de fiscalização realizadas no sistema viário de Sorocaba, o condutor é multado e a motocicleta apreendida, em atendimento à Lei Municipal 5.642/1998, que trata do transporte irregular de passageiros. Conforme a Urbes, neste ano, até o momento, não houve flagrante desse tipo de caso em ações de fiscalização.
Opinião do especialista
Renato Campestrini explica que o serviço de moto-táxi, por exemplo, é regulamentado. O prestador de serviços é cadastrado e submete-se às regras para a prestação de serviços, onde há pontos estabelecidos. Já o transporte por aplicativos em motocicletas surge em uma condição diversa, em que não se tem a anuência do poder público em regulamentação. “Isso acaba por se tornar um fator de preocupação”.
Em relação ao uso do capacete no serviço de transporte individual privado por moto, ele comenta duas situações: “Há quem diga que quem se utiliza dos serviços possui um capacete próprio e o utiliza, mas o que se vê, comumente, nas vias, são pessoas a utilizar o fornecido pelo prestador do serviço, em tamanho grande, para que mais usuários possam utilizá-lo não como proteção, mas como forma de evitar autuações, o que é temerário do ponto de vista da segurança viária. Um capacete solto, ou maior que o crânio do usuário, protege tanto quanto um boné. Capacete em tamanho adequado e devidamente fixado na cabeça do usuário reduz em 72% o risco de chances de lesões graves na cabeça”.
Na opinião do especialista, o transporte privado por moto não foi aprovado em Sorocaba e em outras cidades porque a motocicleta, conceitualmente, não é o veículo mais adequado para a prestação desse tipo de serviço. “Há inúmeros riscos envolvidos. Em 2022, mais da metade dos óbitos registrados no trânsito em Sorocaba foi de usuários de motocicletas. Se deve investir, sim, em novas formas de transporte, mas que sejam mais seguras e de qualidade, do que o realizado em motocicletas, em que não há proteção para os ocupantes”.
Entre as vantagens do serviço, Campestrini destaca a agilidade que a motocicleta proporciona nos deslocamentos. Porém, para ele, os riscos envolvidos não se sobrepõem a isso. “Os custos para a sociedade em sinistros fatais, além da dor daqueles que ficam, é de R$ 1.084.000,00 por óbito”.
De acordo com um estudo do Ministério da Saúde, Sorocaba está com 4,07 mortes por 100 mil habitantes de motociclistas como um todo. O Estado de São Paulo tem 3,06 e o Brasil 5,7. Ou seja, os números mostram a cidade com óbitos abaixo da média nacional, mas acima da estadual.
Por fim, Campestrini ressalta que, independentemente do número de rodas que o veículo possua, precisa haver fiscalização do poder público, com checagem das condições de pneus, luzes, setas, freios e itens essenciais de segurança: “Quando se trata de motocicletas, pneus desgastados potencializam os riscos de quedas. E uma transmissão mal regulada ou desgastada, por exemplo, é perigosa”.
Praticidade e economia
A auxiliar de limpeza Lucélia Correa, de 35 anos, usa quase todos os dias o serviço de moto por aplicativo e somente nos dias de chuva e frio opta pelo automóvel. Ela comenta que prefere a motocicleta pela praticidade e rapidez para chegar ao trabalho, além do preço. “Da minha casa, no Jardim Nova Esperança, até o Jardim São Guilherme, eu pagaria de 17 a 22 reais de carro, dependendo do horário. Já de moto, eu pago menos da metade. Tem corrida de moto que sai entre R$ 6 e R$ 7. Faço muitos trajetos de moto da minha casa para os locais em que presto serviço e, para mim, compensa mais”.
Lucélia usa o transporte por moto às 8h para ir ao trabalho e, na volta para casa, em torno de 18h. Em relação ao capacete, ela tem o acessório, mas conta que os pilotos também fornecem. “Todas as vezes em que utilizei o serviço, o tamanho do capacete era compatível. Nunca peguei um capacete com tamanho maior. E eu já utilizei o serviço com vários motociclistas”.
Sobre a higienização do capacete, ela afirma que sempre estão limpos, conservados e sem danos. Quando o assunto é segurança, Lucélia diz que a corrida é segura. “Eles não fazem igual aos motoboys, que ficam cortando ou passando pelos corredores. Eles vão em uma velocidade baixa e andam atrás dos carros”.
Outra vantagem mencionada pela auxiliar de limpeza é que os motoristas das motos não cancelam viagens, diferente dos carros. “Prefiro o serviço de moto porque quando eu peço carro, ele não chega. Cancelam muito. Na quinta-feira (1º), chamei o carro por conta do frio. Esperei em torno de 40 minutos e no meio do trajeto ele cancelou. Se é moto, não tem essa situação de cancelar a corrida, eles chegam mais rápido que o carro”.
Quando soube que o serviço que ela utiliza todos os dias é proibido em Sorocaba, Lucélia ficou surpresa: “Eu não sabia que não era permitido. Se não pode, acho que o aplicativo não deveria liberar”. Porém, para ela, não há motivo para não permitir. “É algo que para nós, passageiros, é mais viável, por conta do preço. O valor do carro é um absurdo. Querendo ou não, eles estão correndo atrás do sustento de suas famílias. Eles são respeitadores, não passam do limite da velocidade. Não tem motivo para não liberarem esse serviço”.
Capacete apertado
Outra auxiliar de limpeza -- que pediu para ter a identidade preservada -- também usa o aplicativo para pedir corrida por moto. Ela opta pelo serviço nos dias que está atrasada para algum compromisso. “Já usei o serviço várias vezes, principalmente quando estou atrasada, porque a moto é mais rápida”, conta.
Para ela, apesar da rapidez no trajeto, o serviço possui defeitos. Muitas vezes a auxiliar de limpeza precisou usar o transporte por moto, mas os capacetes não serviram adequadamente: “Eles fornecem o capacete na viagem. Na maioria das vezes que eu usei, ficaram apertados. Senti um pouco de desconforto”.
Outro fator desconfortável para ela é estar na moto com um desconhecido: “No transporte de carro também é uma pessoa desconhecida, mas acredito que no carro não gera tanto desconforto como na moto”.
Ela não sabia que o serviço é proibido na cidade, mas diz que foi esse serviço que a ajudou todas as vezes que estava atrasada para um compromisso. “Não é um transporte tão seguro quanto o carro, mas ele serve para casos assim, de última hora, ou quando a pessoa está com pouco dinheiro, pois é mais barato se comparado com o carro”.
Questionadas sobre as regras em relação ao capacete, a 99 disse que no serviço é obrigatório que o motociclista e o passageiro ou a passageira utilizem capacete, em respeito ao Código de Trânsito Brasileiro. O motociclista parceiro pode disponibilizar um capacete para o passageiro, mas não é uma obrigatoriedade.
Caso o passageiro não tenha um capacete ou se recuse a utilizá-lo, o motociclista parceiro deve cancelar a viagem, sem nenhum tipo de sanção. “A plataforma disponibiliza seguro contra acidentes, válido do início ao fim da corrida, para motociclistas e passageiros”. A Uber não respondeu ao questionamento. (Virginia Kleinhappel Valio)