Batalha em campo aberto

A bancada evangélica, por exemplo, não aceita qualquer mudança na legislação que possa flexibilizar o aborto

Por Cruzeiro do Sul

Palácio do Congresso Nacional na Esplanada dos Ministérios em Brasília

O Supremo Tribunal Federal (STF) pretende julgar, até o início de outubro, pelo menos quatro temas polêmicos antes da aposentadoria da atual presidente da Corte, Rosa Weber. Dois deles já estão até com data marcada: a criação do juiz de garantias e a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio.

Outras duas ações ainda não foram pautadas, mas existe a sinalização de que serão incluídas na agenda deste segundo semestre -- a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas e a autorização do aborto até o 3º mês de gestação. Por enquanto, a pauta dos julgamentos só foi divulgada até a segunda semana de agosto.

Todos esses temas são bastante controversos e já se articula uma forte reação no Congresso Nacional. Esse movimento pode até dificultar a aprovação de outras pautas de interesse do governo como o arcabouço fiscal e a reforma tributária. O problema maior diante desse quadro é que bancadas que representam diversos grupos e linhas de pensamento podem se unir para dificultar as coisas.

A bancada evangélica, por exemplo, não aceita qualquer mudança na legislação que possa flexibilizar o aborto. A bancada do agro não quer nem ouvir falar do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Já a bancada da bala é contra a descriminalização do porte de drogas. Somados os votos desses três grupos, fica difícil aprovar qualquer coisa na Câmara sem que haja uma longa negociação.

Faltando pouco tempo para a retomada do julgamento sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo, a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados pretende resgatar um projeto que define pena de dois a quatro anos de prisão aos usuários de entorpecentes. O texto deve ser analisado ainda hoje. O movimento é liderado pelo presidente do colegiado, deputado Ubiratan Sanderson, que defende que temas como esse sejam decididos pelo Legislativo, eleito pelo povo para isso, e não pelo Judiciário que não possui mandato popular.

O Projeto de Lei 4941/2009, do deputado Eduardo da Fonte, estava parado no Congresso há 14 anos e pretende alterar o Artigo 28 da Lei nº 11.343, de 2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad). O relator na Comissão de Segurança Pública é o deputado bolsonarista Gilberto Silva, que já apresentou parecer favorável.

Para Sanderson, o projeto está maduro para ser votado e o fato do STF estar julgando sobre a legalização ou não do uso de drogas é apenas coincidência. Na Comissão de Segurança Pública, a oposição tem pelo menos 24 dos 34 titulares.

Se aprovado no colegiado, o PL ainda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) antes de ir ao plenário da Câmara dos Deputados, onde precisa de 257 votos. Pela legislação atual, o porte de drogas para consumo pessoal é crime, mas não leva à prisão.

Mas há discussões sobre o critério que diferencia a posse do tráfico de drogas, cuja pena varia de 5 a 20 anos de prisão. Pela pauta, o STF deve retomar, amanhã, o julgamento sobre essa questão.

Esse não é o único ponto de enfrentamento entre o Congresso e o Supremo. Recentemente, os deputados já reagiram ao julgamento de uma ação sobre o Marco Temporal das Terras Indígenas.

Antes que o Supremo analisasse a questão, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que aceita a tese de que somente terras ocupadas pelos indígenas na data da promulgação da Constituição de 1988 poderiam ser demarcadas.

O texto está agora no Senado à espera de uma definição. Resta saber se o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, está mais interessado em agradar o Legislativo ou o comando do Judiciário.

Já a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação ainda não foi pautada, mas interlocutores de Rosa Weber no Supremo acreditam que ela deve marcar a análise do tema antes da sua aposentadoria, em 2 de outubro. Essa foi uma das ações que a ministra decidiu manter para si ao assumir a presidência, o que indica que ela tem a intenção de pautá-la.

O Congresso, que ao longo dos anos foi perdendo protagonismo, quer voltar a ter a voz que a Constituição lhe garante. Vai ser duro reverter anos de omissão em assuntos polêmicos, que há anos estão parados nas gavetas da instituição.

O Judiciário, diante desse vácuo, ocupou o espaço destinado aos legisladores. Vai ser difícil, agora, redesenhar o papel de cada um na nossa democracia. Até lá, muitas batalhas serão travadas na praça dos Três Poderes, em Brasília.