Depois da Cúpula da Amazônia

A falta de decisões tende a emperrar tudo e a tornar o Brasil refém das decisões - ou omissões - de outros governos e de empresas

Por Cruzeiro do Sul

Marina Silva defende modelo de desenvolvimento comum para Amazônia

 

Na Cúpula da Amazônia que culminou terça-feira com a assinatura da Declaração de Belém pelos chefes de Estado de 8 países, o mais importante não são avaliações do tipo ‘copo meio cheio meio vazio‘ sobre a qualidade das decisões tomadas, mas o fato de que o Brasil, e não só o governo Lula, não sabe bem o que quer em matéria de política ambiental.

O governo está dividido sobre explorar ou não explorar petróleo na Margem Equatorial. Está dividido até mesmo sobre perfurar um poço a mais de 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas apenas para saber o que tem e poder decidir, com conhecimento de causa, se convém ou não explorar produtos fósseis por lá.

Nem sempre um país tem decisão sobre tudo o que abrange a questão ambiental, que é bem mais ampla do que a da transição energética. Muitas vezes é necessária convergência política prévia para determinadas decisões. Mas, neste momento em que o planeta está queimando, é preciso sentido de urgência.

A falta de decisões tende a emperrar tudo e a tornar o Brasil refém das decisões - ou omissões - de outros governos e de empresas de todo tipo cujas atividades têm impacto ambiental.

Um exemplo: enquanto cada vez mais países de blocos econômicos já definiram prazos para o fim das vendas de veículos a combustíveis fósseis, o Brasil patina nessa área. Não sabe se vai continuar bancando veículos a álcool, que só servem para rodar por aqui e não podem ser exportados, ou se convém estimular decisivamente o carro elétrico.

Ainda nesse campo, o Brasil tem grande potencial para a produção de lítio. E, mais uma vez, não há empenho para determinar se o País deve ou não investir no desenvolvimento de baterias elétricas. Enquanto espera, as multinacionais do setor automotivo vão adotando suas próprias políticas que, em última instância, são determinadas pelos interesses diretos de suas matrizes.

Outro tema é o desmatamento. Se é para adotar o projeto do presidente Lula de desmatamento zero na Amazônia até 2030, não há que esperar pela decisão dos outros. É criar as condições para que as coisas funcionem como planejado.

Já há mais do que um simples consenso de que o hidrogênio verde terá importante papel como fonte global de energia, da qual o Brasil tem enorme potencial. Trilhões em investimentos estarão disponíveis, desde que o País defina as regras do jogo para o desenvolvimento desse mercado interno e avance na produção de energia limpa, sobretudo solar e eólica em alto-mar, necessária para acionar usinas de eletrólise.

Se o governo Lula quer ter protagonismo ambiental, não leva a nada seguir criticando aqui e lá fora políticas ambientais protecionistas de países concorrentes que em outros tempos fizeram do mar e do ar o ralo do mundo. Precisa saber o que quer e agir coerentemente com a decisão que vier a ser tomada.

Um velho ditado talvez expresse melhor essa condição: marinheiro nenhum deve lamentar o vento contra se não sabe para onde quer navegar.

Celso Ming é comentarista de economia