Gerdau "limpa" terreno de siderúrgica desativada em Sorocaba
Movimentação está prevista em acordo com o Ministério Público. Destino da área, no entanto, permanece incerto
A movimentação de caminhões e máquinas pesadas na área da antiga fábrica da Gerdau, na rua Padre Madureira, no bairro Árvore Grande, em Sorocaba, tem chamado a atenção dos vizinhos e de quem passa pelo local. A unidade deixou de funcionar há quase uma década e, apesar de alguns projetos para o local ter sido planejados, tanto pelo poder público municipal como pela iniciativa privada nos últimos anos, o destino da área segue indefinido.
A Gerdau confirmou que está realizando, no local, a demolição dos prédios remanescentes e a recuperação da área, o que explica o tráfego de caminhões na área.
Em junho deste ano, a Gerdau, proprietária da área, de aproximadamente 240 mil metros quadrados, fechou um acordo judicial para encerrar uma ação por ter sido acusada de ter contaminado área próxima ao rio Sorocaba. Segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP), autor da ação judicial, a empresa fechou acordo em audiência de conciliação, e se comprometeu a descontaminar totalmente a área no prazo determinado pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), sob pena de multa diária, recuperar a mata das áreas de preservação permanente existentes no imóvel, nas margens do rio Sorocaba, e do córrego Lavapés, e ainda doar R$ 500 mil ao Fundo Municipal de Meio Ambiente para projetos ambientais.
Conforme o promotor de Justiça, Jorge Marum, no acordo judicial, o prazo para a finalização da remoção do solo contaminado é julho de 2024 com medidas adicionais de monitoramento até 2025. O prazo para a doação ao Fundo foi definido em 30 dias, e o plantio com início imediato, além de ser cuidado e mantido por três anos. Em junho, por conta da repercussão do acordo judicial, a Gerdau informou “que celebrou o acordo com o MP, e reforça que o terreno se encontra em processo de recuperação e em fase de intervenção, conforme premissas e requisitos legais do órgão competente, bem como em estrito cumprimento da legislação ambiental”.
Contaminação
Conforme o inquérito do MP, a produtora de aço desativou suas instalações e abandonou, em sua planta industrial na cidade, um depósito de resíduos tóxicos sem comunicar aos órgãos públicos e sem se responsabilizar pelo saneamento ambiental da área. Segundo o promotor, a empresa não informou as autoridades públicas sobre a contaminação na ocasião, o que veio à tona após denúncia anônima.
A Promotoria de Justiça chegou a propor um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) depois de prazos de finalização dos trabalhos de descontaminação do local serem adiados, que foi rejeitado pela Gerdau. Diante disso, foi ajuizada a ação em março deste ano, e em junho foi celebrado o acordo judicial entre as partes. Assim, os termos do acordo foram protocolados no processo e em seguida foi homologado pela Justiça.
“Durante mais de 10 anos, ficou lá o material contaminante no solo, na água, e que pode ter chegado ao rio Sorocaba. A gente não sabe porque eles já estão contendo, já estão retirando os resíduos, então não dá para saber se isso chegou ao rio. Mas ficou durante um bom tempo poluindo o ambiente”, disse o promotor Marum.
Ainda segundo o promotor, não cabe à Promotoria acompanhar o trabalho em campo. “Nosso trabalho é jurídico e não técnico. Sequer temos técnicos em nossa equipe para isso. Cabe à empresa cumprir o acordo feito no processo e apresentar relatórios técnicos. Eventual fiscalização fica a cargo dos órgãos da administração estadual (Cetesb) e municipal (Secretaria do Meio Ambiente, da Prefeitura de Sorocaba)”, disse.
Cetesb acompanha
Questionada a respeito, a Cetesb informou ao Cruzeiro do Sul que o imóvel da Gerdau, antiga Aços Villares, está classificado, pelo órgão ambiental estadual, como área contaminada em processo de remediação com medidas de controle institucional (ACRe), restrição da água subterrânea e medidas de remediação. Em relatório sobre o caso, a Cetesb apontou contaminação do solo e do lençol freático por metais, hidrocarbonetos de petróleo e fluoreto.
“A empresa já apresentou o Plano de Intervenção com cronograma atualizado, que contempla a remoção do solo contaminado, monitoramento e outros documentos em análise”, informou a Cetesb.
Na ocasião da celebração do acordo judicial entre o MP e a empresa, a Cetesb, por meio de nota, informou que a área da antiga fábrica da Gerdau, em Sorocaba, estava sendo investigada desde 2003, com algumas medidas de remediação, iniciadas em 2014, quando a unidade foi desativada. “As ações de gerenciamento a serem adotadas, visam impedir que a contaminação ultrapasse os limites da área da empresa. Não existem evidências de contaminação do rio Sorocaba”, informou a agência ambiental.
Futuro incerto
Segundo a Cetesb, caso a área seja vendida pela Gerdau, “uma vez confirmada a contaminação da área e tendo sido estabelecidas as restrições de uso para o imóvel, estas condições devem ser averbadas na matrícula do imóvel”. “A Cetesb não se manifesta com relação a transações de compra ou venda do imóvel, no entanto o eventual comprador pode passar a responder solidariamente pelo Gerenciamento de Áreas Contaminadas (GAC)", informa a companhia estadual.
Os estudos relativos ao gerenciamento de área contaminada, a depender das medidas de remediação e monitoramento empregadas, prevê que o imóvel pode eventualmente restabelecer a condição de uso para determinadas finalidades, caso obtenha junto ao órgão ambiental o Termo de Reabilitação para o Uso Declarado. “Contudo, na fase atual do GAC, não é possível determinar se essa condição é ou não viável”, alertou a Cetesb.
“Qualquer que seja o uso futuro pretendido para o imóvel, total ou parcial sobre a área contaminada, deve ser subsidiado previamente por estudos, com manifestação do órgão ambiental. A depender dos estudos técnicos e dados levantados, a reabilitação da área para o uso declarado pode eventualmente se mostrar viável, desde que não ofereça risco à saúde humana, não interfira nas diversas etapas do gerenciamento de área contaminada e que sejam obedecidas as demais medidas institucionais aplicáveis ao caso concreto”, informou a Cetesb.
Projetos não vingaram
Alguns projetos da iniciativa privada e do poder público municipal chegaram a ser planejados para a área, apesar da contaminação. Porém, eles não saíram do papel.
Segundo o professor e economista Geraldo Almeida, que foi secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho na gestão do ex-prefeito Antonio Carlos Pannunzio, em 2016, uma construtora de São Paulo apresentou o projeto de um empreendimento imobiliário e pretendia comprar a área, além de assumir a questão da descontaminação do local. Porém, as negociações não avançaram e a Gerdau declinou da venda do terreno.
Já na gestão seguinte, do ex- prefeito José Caldini Crespo, foi realizada reunião, com representantes da empresa, em março de 2019, para discutir planos sobre a utilização da área. A ideia era construir um terminal multimodal, devido à localização estratégica do local, que deveria abrigar também a nova rodoviária de Sorocaba. Mas a proposta também não vingou.
Antes disso, em dezembro de 2014, a Câmara de Sorocaba derrubou o veto total ao projeto de lei nº 304, de autoria do ex-vereador José Caldini Crespo, que declarou a área de utilidade pública, para fins de desapropriação.
O projeto de lei de Crespo já havia sido aprovado pelos vereadores, em segunda discussão, em outubro daquele ano, e seguiu para a sanção do ex-prefeito Pannunzio, que vetou a proposta sob a justificativa de que não havia dotação orçamentária para executar a desapropriação. (Ana Claudia Martins)