NotreDame ignora liminar judicial e nega tratamento a pacientes
Operadora de planos de saúde responsável por cerca de 16 milhões de vidas acumula mais de 80 processos recentes
O grupo Hapvida NotreDame continua sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo por descumprir liminares judiciais. Considerada uma das maiores do Brasil, a operadora de planos de saúde responsável por cerca de 16 milhões de vidas acumula mais de 80 processos recentes e cerca de 20,6 mil reclamações na plataforma Reclame Aqui.
De acordo com um inquérito instaurado no dia 12 de janeiro pela Promotoria do Consumidor, pacientes afirmam que a Hapvida vem ignorando, frequentemente, decisões da Justiça. A nutricionista Ingrid Roberta de Azevedo Carvalho, de 32 anos, está entre as muitas pessoas que tiveram seu tratamento negado pelo plano de saúde, mesmo com liminar judicial.
“Fui diagnosticada com câncer de mama no meio do ano passado, após o autoexame. Minha luta com a NotreDame começou logo no início, quando negaram a cirurgia de passagem do cateter, alegando que deveria ser feita via ambulatorial”, relata a Ingrid. “No primeiro momento, aceitei a decisão, afinal, tinha que ser feito logo para começar o tratamento o mais rápido possível. Fiz a passagem do cateter em um hospital particular e gastei R$ 5,3 mil”.
A nutricionista está há dois anos com o plano de saúde e a passagem do cateter não foi o único procedimento negado. “A quimioterapia e a imunoterapia também foram negadas. Preciso da imunoterapia com Pembrolizumabe por conta do tipo de câncer, o triplo negativo, no entanto, o plano de saúde alegou que se trata de um medicamento off label, isto é, que não tem indicações para esse caso”, acrescenta.
Entretanto, o medicamento é indicado pela própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para tumores em estágio inicial e avançado e, portanto, é obrigação do plano de saúde custear o tratamento, uma vez que o câncer de mama faz parte da Classificação Internacional de Doenças (CID).
Após entrar na Justiça, foi concedido o bloqueio de bens e, desde então, Ingrid usa o valor para arcar com o seu tratamento em um hospital particular. No entanto, todo o processo levou cerca de um mês e meio para ser concluído e, durante esse período, o tumor cresceu de 2,2 para 5,5 centímetros e ao redor de sua aréola nasceram micronódulos.
O câncer de mama triplo negativo (CMTN) é um dos mais raros e invasivos, com risco de crescimento 40% maior que os demais. Além disso, a chance de uma recidiva após o tratamento é alta e as opções de tratamentos são limitadas.
“O tempo que estou perdendo é o meu tempo de vida! Eu sei que o meu câncer é raro. Eu espero que tudo isso se resolva, desejo do fundo do meu coração. É muito ruim ter que pegar por um tratamento que é direito seu”, declara.
O único medicamento liberado pela Hapvida NotreDame foi o Zoladex, um controlador hormonal, contudo, Ingrid enfrenta dificuldades da mesma forma. “As guias de liberação são emitidas com endereço errado e quando entramos em contato para pedir alteração, argumentam que o número da guia não existe”, explica a nutricionista.
No entanto, no dia 5 de fevereiro, as guias deixaram de ser um problema, após receber a notificação que o medicamento não seria mais liberado, com a justificava de que sua quimioterapia é experimental. “É mentira! A minha quimioterapia não é experimental! A NotreDame posterga o meu tratamento!”, afirma com pesar, e define a situação como angustiante, afinal, nunca sabe quando dará certo.
O grupo Hapvida NotreDame entrou em contato com a reportagem. O Cruzeiro do Sul aguarda os esclarecimentos.
Outros Casos
Em dezembro do ano passado, o Cruzeiro do Sul contou a história da estudante de medicina Maria Paula Sabbion Morato, de 23 anos, que também precisou recorrer à Justiça para ter o seu tratamento parcialmente autorizado, após uma recidiva de Linfoma de Hodgkin.
Na época, a jovem, com o seu advogado, Mário Vechiatto Neto, lutavam pela liberação de 16 sessões de imunoterapia com 1,8 miligramas de Brentuximab Vedotina por quilo. Assim como Ingrid, o plano de saúde alegava que se tratava de um medicamento off label.
Após uma liminar judicial e um vídeo postado nas redes sociais da paciente - que na época alcançou 1,4 milhão de visualizações -, a NotreDame autorizou três sessões. Hoje, Maria Paula continua recebendo as demais sessões do seu tratamento, no entanto, para a liberação é necessário realizar o PET-CT, um exame de diagnóstico por imagem capaz de detectar tumores em todos os lugares do corpo.
“O meu oncologista falou que não tinha necessidade, pois o próximo exame está previsto para março, no entanto, fiz para liberarem o tratamento”, relata Maria Paula. “Esse é o exame que define se você está bem ou não e, particularmente, é uma tortura emocional muito grande. Eu sou ansiosa, então fico muito apreensiva com o resultado, mas foi preciso fazer”.
Apesar do desafio, a jovem se sente muito agradecida por estar conseguindo o tratamento, enquanto muitas pessoas, infelizmente, não tem essa possibilidade. “Vi relato de pessoas que faleceram porque tiveram suas cirurgias negadas. Sei que se hoje eu estou conseguindo é porque entrei na mídia, tive que me expor, porque liminares judiciais não funcionam, como podemos ver”, finaliza. (Beatriz Falcão - programa de estágio)