Precisamos parar de agir como idiotas
Manter-se à margem da vida pública era (na antiga Grécia) sinal de ignorância e falta de educação
Quase um século atrás, Bertolt Brecht (1898 - 1956) alertava para o pior tipo de analfabetismo que corroía a sociedade de então: o ignorante político.
Lamentavelmente, o personagem descrito pelo dramaturgo alemão no poema de em 1931 sobrevive até os dias atuais em solo brasileiro.
E, pior ainda, se multiplicou exponencialmente, chegando ao ponto de decidir a maioria dos pleitos eleitorais. Hoje, eles continuam não ouvindo, não falando e nem participando dos acontecimentos políticos.
Mantém-se “tão burros que [ainda] se orgulham e estufam o peito dizendo que odeiam política”. Literalmente, não conseguem enxergar, tal como o personagem brechtiano, que “o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do calçado e dos medicamentos dependem de decisões políticas”.
Para quem faz questão de dar nome aos bois, como se diz popularmente, o analfabeto descrito por Brecht é um completo idiota.
Aqui, vale a pena abrir um parêntese para explicar a semântica da palavra “idiota”. O termo nasceu em Atenas, por volta de 500 a. C., na mesma época em que Clístenes estabelecia as bases da soberania popular.
Originalmente não tinha qualquer relação com inteligência reduzida. Era usada para se referir a um cidadão comum, em oposição a um estudioso ou alguém que agia em nome do Estado ou ocupava cargo público.
Como os gregos valorizavam muito a participação cívica, reconhecendo que sem ela a democracia entraria em colapso, era esperado que todos os cidadãos estivessem interessados e familiarizados com os assuntos públicos.
Resumindo, as pessoas não deveriam ser idiotas. Ou seja, manter-se à margem da vida pública era sinal de ignorância, falta de educação, desinformação e abandono do dever como cidadão. Péricles definia aqueles que não contribuíam para os debates políticos como “absolutamente inúteis”.
Esses dois recortes históricos separados por mais de 2,5 milênios de evolução humana têm como objetivo chamar a atenção de todos os brasileiros para a importância deste exato momento.
De hoje, 27 de outubro de 2023, até as próximas eleições municipais são exatamente 344 dias. Esse é o prazo que todos nós, eleitores, temos para nos educar e levar a sério a nossa obrigação para com o futuro de Sorocaba e o bem-estar dos nossos filhos e netos.
Em 6 de outubro de 2024 acontecerá o processo de escolha dos legisladores, prefeitos e vice-prefeitos dos 5.568 municípios brasileiros. Algumas cidades precisarão de um segundo turno para definir a chefia do Poder Executivo, o que ocorrerá no dia 27 do mesmo mês.
As estatísticas das eleições mais recentes e o desempenho dos eleitos provam na prática a teoria de que deixar o voto em branco, anular o voto ou simplesmente não comparecer aos postos de votação consistem nas maiores idiotices que um eleitor pode cometer.
Quem age dessa maneira imaginando que, assim, demonstra a sua frustração com a classe política ou a reprovação aos planos de governo, está, na verdade, abrindo mão da essência da democracia e dizendo, com todas as letras, que não tem interesse nos rumos que a sua cidade, o seu Estado ou o Brasil seguirão.
Neste caso, o resultado será justamente o oposto ao pretendido. Ao invés de chamar a atenção para a falta de qualidade de alguns -- ou muitos -- dos eleitos anteriormente, estará cooptando, pela omissão, com tudo aquilo que critica.
Os números mostram que a apatia do eleitor acaba gerando ainda mais descontentamento. Considerando apenas os segundos turnos das seis últimas eleições municipais, o percentual de abstenções, por exemplo, quase dobrou. Passou de 16,2% em 2000 para 29,5% em 2020.
Certamente, o crescimento do desinteresse em 82,1 pontos percentuais em 20 anos não parece ter ajudado a melhorar o nível dos eleitos. Ao contrário, gerou mais decepção: em 2004, 17,3% dos cidadãos obrigados a votar desrespeitaram a legislação. No sufrágio seguinte, 2008, o percentual de ausentes passou para 18,09%, chegando a 19,12% em 2012 e a 21,1% em 2016.
Mesmo considerado que a pandemia de Covid-19 tenha inibido a participação dos eleitores na escolha dos atuais governantes municipais, quase 30% de renúncia ao voto é excessivo para qualquer sistema representativo.
Votos considerados inválidos seguem na mesma tendência de alta. Os brancos pularam de 2,71% em 2000 para 3,88% em 2020 -- 43,2 pontos percentuais a mais.
No mesmo período, a porcentagem de eleitores que anulou seus votos -- de maneira intencional ou não -- cresceu 8,22 pontos percentuais, passando de 6,45% para 6,98%.
Fazendo os cálculos, chegamos à resultado perturbador: apenas 59,64% dos brasileiros com direito a escolher vereadores, prefeitos e vice-prefeitos na última eleição realmente o fizeram. Vinte anos antes, esse percentual foi de 74,64%.
Agora, devemos nos perguntar: o suposto protesto contra os políticos e as eleições levou a algum resultado prático? Por acaso, houve alguma melhoria? Estamos contentes com os mandatários atuais? As perspectivas da população melhoraram?
Quaisquer que sejam as respostas às questões anteriores, uma coisa é certa: chegou a hora de mudar o método de lidar com a situação.
E, como ocorre com todos os traumas sociais -- da violência no trânsito ao alto nível de endividamento das famílias --, a solução passa pela educação, pelo debate construtivo e pelo consenso. O método pode ser mais lento do que uma “greve do eleitorado”, mas, certamente, traz resultados consistentes e duradouros.
Nesta sexta-feira, como primeira lição de casa, devemos nos conscientizar de que a missão do eleitor não se resume a comparecer perante a urna.
Ela começa muito antes, na infância -- com a formação da consciência cidadã -- e nunca termina. Em outras palavras, fugir da idiotice é um desafio que dura toda a vida.