Paz e amor
Cada dia que passa, sou mais hippie, pensa ela se olhando no espelho. Das antigas, claro. Com filosofia e prática do “paz e amor”. Sorri. Daqueles tempos da guerra fria e bomba nuclear nas manchetes todos os dias. Ameaças, discussões, espionagens. Sangue fervendo. Orgulho nas tampas. Enfrentamentos.
O mundo perto do fim com um simples apertar de um botão. E, então... o “boom” atômico. As manifestações contra o conflito do Vietnã. O caos. E, então, lá estavam eles. Ela também. Os “ripongas”. Pejorativamente como eram chamados. Mas, firmes em sua filosofia. Corajosos em suas metas. Força determinante para engrossar fileiras contra a tensão mundial.
Era, desse tempo que matusquelava.
Hoje, pensa, a guerra é outra. Quente. Fervendo em tecnologias de informação! Fotos, vídeos, notícias, serviços. Mapas, pesquisas, levantamentos, opiniões, críticas, ideias, sugestões, politicagens, crimes, assédios, corrupção.
Produtos, marcas, serviços, crédito, remédios milagrosos, ofertas de juventude, beleza... força sexual. Pesquisas, estatísticas, levantamentos, análises, opiniões, críticas, sugestões. Crimes, crimes e mais crimes. Cada vez mais contra as mulheres em atitudes covardes. A insegurança transmitida na ponta da faca ou na bala que dispara. A ira emocional transformada em veneno. A escuridão do intelecto. Uma pré-história feminicida inserida num mundo de faíscas digitais.
Muita, muita informação. Importantes? Quem sabe alguém tem tempo pra absorver tudo e opinar. Pra ela, um contraste que assusta. Respira fundo. O mundo acelera o coletivo e perde no individual. Entende essa questão. Se pergunta: -- vale a pena? Um dia pensa nisso. Se aprofunda no assunto.
Toma um gole de vinho. Olha a TV. O gato dorme enrolado no sofá. Seus livros. Seu espaço. Seu mundo. Onde as runas, em noites mais introspectivas, dão os rumos.
Pinta os olhos. Uma nova e boa sensação. Não se explica. Nem requer. E, que buscas e viagens mentais tem feito. Da paz dos acertos. Consertos. Alegrias que tem e busca. Constrói-se todo dia.
Essa é uma mulher dos nossos tempos, fala pro espelho com um sorriso maroto. Essa sou eu. Parte de um universo cheio de trilhas. Vitórias e derrotas. Que se equilibram e ensinam. Grandes na soma.
Estou filosófica hoje, reflete enquanto arruma o cabelo. Cata o gato. Olha pra ele, olhos nos olhos, diz pro bichano: -- e, então, gato? Você é feliz? Que tal ensinar a busca pela felicidade nas escolas?
O gato fecha os olhos e cai no sono. Sempre assim. Discreto. Tranquilo. Transmite paz. Aquela que todos procuram, pensa.
Dá uma última olhada no espelho, pega a bolsa, o celular e sai. Feliz, toca a vida. Como sempre fez!
Neusa Gatto é jornalista e produtora de vídeos.