Arte visual feita sobre quatro rodas
Um protótipo do carro modelo Etios Hatch servirá de suporte para uma obra de arte que será produzida em Sorocaba pela artista visual Érica Kaminishi. A customização será o resultado do concurso “Etios Arte”, promovido pela montadora Toyota em parceria com o Museu de Arte Contemporânea de Sorocaba (Macs).
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A parceria entre o Macs e a Toyota foi proposta pela montadora, com intuito de eternizar uma de suas criações, o Etios, fabricado na fábrica de Sorocaba. O projeto artístico era aguardado desde maio de 2013, quando a parceria foi oficializada. “Estamos todos ansiosos pelo resultado e felizes com a possibilidade desta primeira parceria. Além da execução do projeto, será uma oportunidade de ter uma artista de experiência internacional residindo em Sorocaba por um período que resultará em muitas trocas”, comenta Cristina Delanhesi, presidente do Macs.
A customização do veículo está prevista para ocorrer entre os dias 8 de junho a 7 de julho em um espaço fechado, mas, segundo Cristina, a ideia é que ao longo desse período Érica Kaminishi participe de rodas bate-papo com artistas locais. Após a intervenção for concluída, o Etios passará por exposições em todas as cidades do mundo onde a Toyota possui plantas e, depois, fará parte do acervo permanente do Macs.
Mestre em artes visuais pela Nihon University, no Japão, e atualmente radicada na França, Érica Kaminishi foi selecionada no concurso, que teve a participação de quatro artistas nipo-brasileiros. Os convidados tiveram suas propostas avaliadas por uma equipe formada por representantes do Macs e da montadora. “Fiquei muito feliz por ser convidada para um projeto como esse, ao lado de artistas muito bons, que já possuem um nome no cenário artístico brasileiro, e ainda mais feliz por ter sido selecionada”, comemora Érica.
Prática comum
A artista comenta que, apesar de algo inusitado no Brasil, a produção de trabalhos artísticos sobre a lataria de carros não é tão incomum no Japão e em alguns países da Europa, onde as próprias marcas convidam artistas contemporâneos renomados para customizar protótipos e modelos icônicos. “Será a minha primeira vez. É um suporte que é um desafio, porque entra a parte técnica, em que é preciso verificar como a tinta vai reagir na superfície. Uma oportunidade única. Interessante usar o carro, que é uma coisa do dia a dia, e que faz parte do olhar das pessoas, mas de outra forma, mais artística”, complementa.
Apesar da mudança de suporte, o trabalho seguirá a mesma estética da pesquisa desenvolvida pela artista nos últimos anos e que têm a fusão do desenho com a caligrafia como características visual e poética determinantes. “Em todos os trabalhos que eu desenvolvo a palavra é um símbolo muito forte e importante”, comenta.
Érica revela que a obra receberá o nome de “E lpis’tios”, um jogo de palavras gregas, sendo “Elpis” a esperança que Pandora guarda consigo, e “Etios” uma corruptela de ethos, como é chamado o comportamento que caracteriza a identidade coletiva de determinado grupo social. “Pensei no carro como se fosse uma caixa tradicional do período Edo [1603-1868] no Japão, toda dourada. É um suzuri-bako, como é chamada a caixa onde se guarda pincel e todo o material para caligrafia”, comenta.
Trabalhos mais recentes de Érica Kaminishi poderão ser vistos na exposição coletiva “Novas efervescências”, que ficará em cartaz no Espaço Cultural Porto Seguro, em São Paulo, entre 11 de maio a 17 de junho. A mostra, dedicada a novas linguagens da arte contemporânea, traz trabalhos inéditos dos artistas selecionados pelo edital de mesmo nome promovido pelo próprio Espaço Cultural. Além de Érica, fazem parte da exposição Angella Conte, Arnaldo Pappalardo, Daniel Frota de Abreu, Érica Ferrari, João Angelini, Laura Gorski e Renata Cruz, Pablo Lobato e Tiago Mestre.
Nascida em Rondonópolis (MT) e criada no Paraná, nas cidades de Londrina e Assaí e Curitiba, Érica morou por dez anos no Japão, onde fez seus primeiros cursos de cerâmica e descobriu sua vocação artística. Em 2017, a nipo-brasileira foi uma dentre os treze artistas selecionados para participar da exposição “Transpacific borderlands: a arte da diáspora japonesa em Lima, Los Angeles, Cidade do México e São Paulo”, que ficou em cartaz no Japanese American National Museum, em Los Angeles, no Estados Unidos.
Na ocasião, a artista foi responsável por um dos trabalhos mais impactantes de toda a exposição: uma instalação de grande escala que usou 3.300 placas de Petri transparentes penduradas, preenchidas com 60 mil flores rosa-claro sintéticas, que imitam o efeito de caminhar sob flores de uma cerejeira. Intitulada “Prunusplastus” (“Prunus serrulata” é o nome latino para a cereja japonesa, enquanto “plastrus” é a designação latina para “algo modelado”), a peça propõe um paralelo sobre a cultura da comunidade nikkei, como são chamados os descendentes de japoneses, e uma reflexão sobre a coexistência das tradições “naturais e artificiais” ainda preservadas no Brasil. (Felipe Shikama)