Claudya: ’Deixa eu dizer o que penso dessa vida’
Em 2008, o sample de Deixa Eu Dizer, música de Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza que a cantora Claudya gravou em seu LP de 1973, caiu como uma luva no rap “Desabafo”, de Marcelo D2, do disco A Arte do Barulho. A sacada de D2 fez com que a voz da cantora ecoasse por toda a parte: estava nas rádios, nas pistas e foi parar até na trilha sonora de Velozes e Furiosos 5: Operação Rio. De repente, uma nova geração descobria a cantora e passou a ir atrás de seus discos, de sua história. Aquele episódio tornava-se um novo e importante capítulo na carreira de Claudya, que, apesar do reconhecido talento, encontrou percalços que fizeram com que sua trajetória fosse marcada por altos e baixos.
É o que ela rememora em depoimento aos autores Daniel Saraiva e Ricardo Santhiago no livro Claudya -- O Que Não Me Canso de Lembrar, o primeiro do projeto A Música de: História Pública da Música do Brasil. Lançado recentemente, está à venda no site www amusicade.com/nossaloja. “Os livros surgiram de uma percepção que poucos artistas da música brasileira tiveram suas trajetórias narradas no mercado editorial”, diz Daniel Saraiva, editor e pesquisador, sobre a criação do braço editorial do A Música de.
Esse era o caso de Claudya, que, agora, além desse registro a partir da história oral, se dedica também à sua autobiografia.
Nascida Maria das Graças Rallo, no subúrbio do Rio, foi morar ainda criança em Juiz de Fora, Minas, onde começou a cantar em festas de escola e programas de auditório -- e a chamar atenção por seu talento. Em busca de mais oportunidades profissionais, aos 17 anos, mudou-se novamente com a família, daquela vez, para São Paulo, onde havia O Fino da Bossa, importante vitrine na TV para novos talentos na época.
O trompetista Waldir de Barros, que Claudya considera o grande apoiador da sua carreira, trabalhava na orquestra da TV Record, lhe falou sobre o programa e sugeriu que fizesse um teste. A jovem cantora fez e foi contratada. Foi escalada para a segunda parte da atração, juntamente com Elis Regina, Jair Rodrigues, Baden Powell, entre outros. Mas ali o público não a conheceu como Maria das Graças, seu nome de batismo, mas, sim, como Cláudia, nome artístico sugerido pela própria cantora, inspirada na ascendência italiana por parte do pai. “Eles queriam um nome marcante”, lembra ela, em entrevista ao Estadão. Ficou apenas Cláudia -- na década de 1990, virou Claudya, por sugestão da numerologia.
No ano seguinte, o jornalista e produtor Ronaldo Bôscoli a chamou para fazer uma temporada de shows no Rio. No entanto, Claudya conta, Bôscoli propôs que o show se chamasse Quem Tem Medo de Elis Regina?. A cantora não entendeu a proposta -- como diz não entender até hoje -- e não concordou. O título ficou definido em Cláudia: Não Se Aprende na Escola.
Mas a história se espalhou. E Claudya foi alvo do que hoje chamamos de fake news: foi tachada de oportunista, aquela que queria tomar o espaço de Elis. Ela conta que as portas se fecharam e nada foi feito para reverter o mal-entendido.Ela lamenta nunca ter conseguido conversar sobre o assunto com Elis, que morreu em 1982. “Eu precisava e sentia necessidade de falar com ela, mas infelizmente não foi possível.”
Na Odeon, no início da década de 1970, gravou alguns de seus melhores discos Você, Cláudia, Você e Deixa Eu Dizer. Vale um parênteses aqui: àquela altura, Claudya também já era compositora.
Anos mais tarde, em 1983, no entanto, a artista vivenciou um momento especial na carreira, ao ser escolhida para protagonizar o espetáculo Evita, sobre a história de Eva Perón, em que cantaria, dançaria e também atuaria, ao lado de atores como Mauro Mendonça e Carlos Augusto Strazzer. Foram nove meses em cartaz só no Rio. Um período exaustivo, mas de sucesso.
Hoje aos 72 anos e com 55 anos de carreira, Claudya, que é mãe da cantora Graziela Medori, segue, teimosa, como ela diz, no que ama fazer, que é cantar. (Adriana Del Ré - Estadão Conteúdo)