As palavras do senhor Almeida (primeira parte)
Precisamos, aqui, evitar os extremos. Muitos dos males da vida surgem por conta do apego aos extremos
Nelson Fonseca Neto
Semanas atrás, conheci o senhor Almeida. Conversamos longamente. Achei-o interessante. Hoje resolvi ceder este espaço para que o leitor conhecesse são simpática figura. Com vocês, o senhor Almeida:
Por muito tempo, evitei obras que se autoproclamavam como conselhos infalíveis para que o leitor se desse bem em algum aspecto da vida. Eu achava que eram textos que simplificavam as sutilezas da existência. Um dos traços da juventude é ser categórico nos julgamentos. Mas eu acordei.
Não que tudo deva ser esquematizado em poucos e acessíveis tópicos. Ainda há regiões nebulosas na vida. O que proponho, aqui, ao reconhecer que alguns conselhos podem ser proferidos de forma mais direta e didática e outros não, é separar o joio do trigo e trazer à baila exemplos de simplificações sadias.
Precisamos, aqui, evitar os extremos. Muitos dos males da vida surgem por conta do apego aos extremos. Há inúmeros exemplos ao alcance de nossas mãos. Certamente o leitor concordará comigo. É a nossa tese neste momento.
Devemos nos afastar daquelas pessoas que oferecem saídas enfáticas para problemas intrincados. Tais pessoas são as oportunistas que abundam nos vídeos curtos da internet. Sua linguagem é agressiva; o tom é marcado pelos berros; e a mensagem é a seguinte: se você está com um problema, é só estufar o peito e enfrentar a bronca. Essa forma de expressão é uma das pragas contemporâneas. E é um dos extremos mencionados logo acima.
Mas também devemos evitar as conversas que cravam que todos os problemas são, necessariamente, complicadíssimos. Impossível tocar a vida dessa maneira. É a famosa tempestade em copo d’água. E é o outro extremo mencionado logo acima. Acreditamos que ser adulto é transitar na faixa intermediária. É a boa e velha lucidez. Olhar para uma situação e reconhecer se ela demanda algo simples ou algo mais elaborado. Dizendo de forma mais clara: se as coisas podem ser resolvidas lenta ou rapidamente.
Após longas reflexões, pensei em alguns tópicos que pertencem ao campo da simplicidade. Não transformarei este espaço numa série de conselhos práticos. Não posso me esquecer que o titular, o estimado Nelson Fonseca Neto, cedeu gentilmente esta espécie de tribuna para que eu pudesse ampliar meus horizontes. Talvez, numa ou noutra semana, eu volte a dar o ar da graça. Aguardemos.
Por ser o primeiro texto de uma possível série de conselhos, foi necessário gastar algumas linhas a título de explicação. Julgo que o meu ponto foi bem esclarecido. É hora de trabalhar com algo mais concreto.
Ao longo de muitos anos, noto que muita gente se sente inibida quando, num festejo qualquer, o assunto que vem à tona é a literatura. É um clássico dos nossos costumes a cena em que um sujeito mais versado nas artes literárias arranca suspiros de admiração e de inveja. Os nomes de autores russos fluem com garbo da boca do sujeito versado em literatura. As cabeças dos que estão ao redor balançam afirmativamente. A volta para casa, a muitos dos que degustaram do mel literário, costuma ser melancólica. Aflora o complexo de inferioridade. Surge uma pergunta angustiante: serei sempre assim, um ingênuo na floresta das letras? Nossa resposta: não. Atalhos não são trapaças. O que ofereço aqui são atalhos. Nada impede que, a partir deles, a literatura se revele em todo esplendor.
Nosso espaço de hoje está acabando. Eu não gostaria de tirar o doce da boca da criança de forma tão repentina. Deixo, no crepúsculo da coluna de hoje, uma pepita prática. Na próxima semana, se o Nelson Fonseca Neto concordar, mostraremos como é possível fazer bonito nas conversas literárias sem ter lido um livro. O leitor verá que não cometo estelionato. É o bom e velho atalho.
A pepita de hoje: se o assunto for literatura russa, ponha a mão no queixo e diga: “a qualidade da literatura russa é compatível com o turbilhão da alma russa; ao longo do século XIX, a contradição do espírito eslavo aparece na riqueza de um Gógol, de um Dostoiévski, de um Tolstói, de um Tchékhov”.
É um ótimo começo. Obrigado, Nelson Fonseca Neto