Na chapa

Padarias paulistanas: lugares mais acanhados, tomados por um balcão. Poucas mesas e poucas cadeiras tradicionais

Por Cruzeiro do Sul

Na semana passada eu estava conversando com alguns amigos sobre queijo quente. Ou seja: conversávamos sobre coisas realmente importantes desta vida. Sou meio hiperbólico e disse para eles o seguinte: eu viveria tranquilamente à base de queijo quente. Bem se vê que estou longe de ser um gourmet.

Dias depois da conversa com os meus amigos, eu estava andando pelo centro da cidade. Acho que eu já disse aqui que caminhar pelo centro da cidade é uma das minhas alegrias recentes. Passei muitos anos morando no centro, mas sem explorá-lo com o devido respeito. Agora eu faço isso sempre que posso.

Eu estava andando pelo centro da cidade e olhava para as fachadas das lojas. Estavam fechadas. Era domingo, finalzinho da tarde. Não é o meu horário predileto das andanças. Gosto mais das manhãs de sábado. Mas eu dizia que era domingo, finalzinho da tarde. As lojas estavam fechadas. Eram aqueles minutos de luminosidade traiçoeira. O bom e velho “lusco-fusco”. Alguém já disse que a gente vê pior nessa hora. É verdade. Por isso eu caminhava um pouco mais precavido. Sou craque na arte de tropeçar nas calçadas.

Mas isso não impediu algumas observações. Eu gosto de olhar para as fachadas. Exerço, assim, nesses minutos, o ofício de sociólogo ambulante. Vou elaborando umas teorias malucas. Desnecessário dizer que o tipo de comércio diz muito de uma sociedade. Façam a experiência. Reparem nas lojas. É fascinante.

Lá pelas tantas, tive um estalo. Estalo é bom para a gente, pelo menos por alguns segundos, sentir-se geniozinho. No meu caso, os estalos são apenas estalos mesmo, coisas efêmeras. Não vejo problemas nisso. A gente envelhece e vai desencanando. Qual é o problema se o estalo não vira obra séria? Se ele entra na crônica, já estou no lucro.

Naquele dia o meu estalo foi o seguinte: Sorocaba não tem padarias como as de São Paulo. Se tem, são poucas. Em São Paulo, é uma a cada quarteirão. Sei que é exagero, mas acho que deu para entender. Sei que essas padarias estão mais concentradas em alguns bairros. Não tem problema. O que importa é que aqui as padarias de jeitão paulistano não vingaram.

Padarias paulistanas: lugares mais acanhados, tomados por um balcão. Poucas mesas e poucas cadeiras tradicionais. Não comportam grande públicos. Funcionam a todo vapor principalmente no início da manhã. Servem lanchões, pedaços de pizza, pão com manteiga, queijo quente, pingado. Que o cliente mais refinado desista de algo que vá além disso.

Faz tempo que não vou a uma padaria dessas. Já fui muito quando era jovem. Essas padarias quebravam um galhão. Tive a sorte de conhecer chapeiros que eram figuraças. Uns caras sábios, meio azedos, competentes, capazes de controlar vários pães que chiavam naquelas chaponas. Aqueles caras não erravam o pedido. Não anotavam nada. Só quando o cliente ia ao caixa. Você ia embora admirando aqueles prodígios de eficácia e memória. Eu jamais teria condições de ser chapeiro. Eis uma profissão que merece nossa mais funda admiração.

Não eram lugares balados. Alguns deles, a depender do ânimo do cliente, assustavam. A gente olhava para alguns bolinhos, croquetes ou sonhos e pensava em instituições que carregassem palavras como “vigilância” e “sanitária” em seu nome. Ou pensava em agressões ao estômago e ao intestino. Na verdade, a gente pensava nas duas coisas ao mesmo tempo. Há que se ter ousadia para enfrentar determinadas empadinhas. Por isso eu ficava na margem de segurança e me contentava com o pão com manteiga ou com o queijo quente. Deu certo. Nunca passei mal.

É por essas e outras que, no aconchego do lar, quando preparo um queijo quente, acho que estou fazendo algo da mais alta relevância. Corrigindo: tenho certeza de que estou fazendo algo da mais alta relevância.