O silêncio
De fato, muita gente recorre ao glorioso fone de ouvido, mas muita gente também recorre às caixinhas de som bastante potentes
Um dos programas mais famosos -- e amados -- da TV a cabo é protagonizado pelos irmãos gêmeos Drew e Jonathan Scott e se chama “Irmãos à obra”. Basicamente, os irmãos Scott pegam uma casa caindo aos pedaços e entregam algo tinindo. A Patrícia e eu já vimos vários dos episódios. Não pelas reformas, que são sempre as mesmas, mas pelo jeito engraçado dos irmãos Scott.
As reformas que eles promovem são marcadas pela mesmice e insistem no conceito de “espaço aberto”. Poucas paredes; cozinha, sala e quintal formando uma coisa só. Não entendo de arquitetura, de design de interiores, de decoração, de construção civil. É bom deixar claro. O que segue é meramente uma questão de gosto.
Acho o lance do “espaço aberto” bacana na casa dos outros. No meu apartamento, acho complicado. Não tem explicação. Gosto de paredes, cortinas, pouca luz, abajur, sanca, essas coisas. Melhor ainda se o tempo lá fora estiver nublado. Tempo ensolarado é de amargar.
A coisa vem piorando com a idade. A gente vai valorizando o silêncio, a intimidade, a voz baixa. Barulho bom é a cantoria do João Pedro. O resto é tormento. Envelhecer é compreender o que importa nesta vida.
Vejo o pessoal batendo pesado na poluição atmosférica. Claro que essa turma está correta. Só acho que deveria haver mais espaço para a discussão sobre poluição sonora. É de enlouquecer qualquer um. Motos, motinhas e motonas varam os dias e as madrugadas aporrinhando o pobre do cidadão cumpridor dos seus deveres.
Já foi pior, muito pior: rojões. Para mim, a questão envolvendo rojões é simples: basta proibir. Não servem para nada, não cumprem função social, arrebentam as mãos dos desavisados, judiam dos acamados, das crianças, dos que dormem o sono dos justos.
Meu lado otimista, anos atrás, profetizou que a maior invenção da humanidade -- o fone de ouvido -- criaria uma sociedade bem mais silenciosa. De fato, muita gente recorre ao glorioso fone de ouvido, mas muita gente também recorre às caixinhas de som bastante potentes. Uma caixinha dessas é suficiente para promover uma festança numa casa espaçosa. Não é que me contaram, eu mesmo vi: uns quinze grupinhos, cada um com uma caixa de som tocando músicas diferentes, num ambiente acanhado. Não recomendo a experiência.
Na padaria, as pessoas não conversam ao celular; elas urram. Urram e perambulam. Sou obrigado a ouvir marmanjo combinando baladas, sábios dando conselhos, gurus financeiros tratando de criptomoedas, marombeiro dando dica de treino “cardio”. Antes eu achava essa zoeira algo poético. Agora, não. Só é chateação mesmo. As coisas precisam ser nomeadas adequadamente.
E todos os ambientes têm que ter musiquinha. E sempre a musiquinha é uma bela de uma porcaria: sintetizadores operados por pessoas cafonas pra caramba, cantores e cantoras se esgoelando sobre o amor perdido no bar. Bem que tentei encarar essas letras tempos atrás. Não queria ser injusto. Tentei, e saí correndo daquilo. Perdi o bonde. Não é para mim. Respeito quem aprecia.
Sou muito mais a “Sopa do neném” ou a abertura da “Grande família” na voz do João Pedro.