Despojado
Fico espantando quando amigos começam a discorrer sobre aspectos técnicos da preparação de um prato
A crônica que escrevi na semana passada rendeu. Rendeu o quê? Elogios? Não: risos. Os leitores com quem conversei disseram que eu sou um sujeito pitoresco. Para quem não sabe do que estou falando, dou uma força: na semana passada, eu disse que sou meio chato para comer. Por exemplo, dificilmente encaro uma maionese.
Só que, do jeito que a coisa saiu, ficou a ideia de que sou um gourmet. Nada mais distante da realidade. Sem medo de errar, digo: sou o oposto do gourmet. Minha ignorância gastronômica é comovente. Fico espantando quando amigos começam a discorrer sobre aspectos técnicos da preparação de um prato. A lista de alimentos que nunca provei é enorme.
Quando alguém comenta a respeito de um restaurante badalado na cidade, eu sempre tenho de perguntar onde fica o estabelecimento. Algumas vezes, como incentivo, mostram fotos do lugar e dos pratos servidos ali. Sou educado e digo: obrigado pela dica; irei lá sem falta. Isso nunca aconteceu.
É que o ambiente e os pratos me inibem. Quase sempre o ambiente desses restaurantes badalados é artisticamente trabalhado. Penso nas taças de cristal, nos talheres pesados, na toalha de linho, na música descolada, nos funcionários refinados. Tudo lindo, mas não são coisas para o meu bico. Seria cansativo listar as situações que atestam essa minha incompatibilidade com o bom gosto culinário. Fica pruma outra ocasião.
Sobre os pratos: restaurantes conceituados tendem a servir pratos minguados. Claro, o que importa é a festa de sabores que um prato pode oferecer, e não a letargia da pança cheia. Entendo, respeito e reconheço que a gastronomia é arte. Mas não para mim. Quando encaro um almoço ou um jantar, gosto de fartura. Vai ver que é por isso que sou fã de comida mineira.
Já que toquei no ponto do meu gosto alimentar despojado, avanço mais um pouco: não tenho roupa para frequentar restaurantes badalados. Sei que hoje muita coisa mudou e que não se exige traje formal nesses estabelecimentos. Mesmo assim, minha indumentária é incompatível com certos ambientes. É que sou adepto do, sei lá, “clássico despojado”: tênis, calças jeans, camiseta Hering lisa.
Às vezes recebo umas propagandas de roupas descoladas que estão na moda. Sim, propagandas de tênis, camisetas e jeans. Mas parecem tênis, camisetas e jeans de um outro planeta. Pena que não posso colocar umas imagens aqui. Não adianta eu tentar escrever. Faço um convite ao leitor: gaste um tempo dando umas olhadas nos sites de grifes. Certamente você entenderá meu ponto de vista.
Já que toquei no ponto da minha indumentária despojada, avanço mais um tantinho: não tenho papo para frequentar restaurantes badalados. Desde que o mundo é mundo, restaurantes badalados são
repletos de conversas a respeito das peripécias de socialites. Lamento dizer que pouco entendo desse universo. Vou me perdendo na selva de sobrenomes cintilantes.
Mas digamos que, no restaurante badalado, a conversa não seja sobre socialites, mas sobre conjuntura econômica e investimentos arrojados. Sobre assuntos econômicos: tenho lá minhas opiniões, mas acho que elas não seriam bem recebidas. Sobre investimentos arrojados: se alguém fala em criptomoeda, tenho vontade de sair correndo. Vai ver que são ecos de coisas como conto do bilhete e afins. Não estou dizendo que estou certo. É só a maneira meio tosca como encaro as coisas.
O restaurante ideal, para mim, só serviria queijo quente, seria silencioso, teria funcionários nada refinados, não transformaria refeição em “experiência”, cobraria um preço honesto, as mesas seriam ocupadas por pessoas que não fossem craques em criptomoedas ou em traquinagens das celebridades locais.
Isso talvez explique o fato de a minha vida social não ser lá muito trepidante.