Sob medida

Minha adolescência não foi sofrida, mas, convenhamos, ninguém veste bem a adolescência. Não é verdade?

Por Cruzeiro do Sul

Preciso confessar a vocês: admiro quem usa terno e mantém a naturalidade de gestos e movimentos. O sujeito anda por aí, conversa com a moçada, almoça e não fica amarfanhado. Admiro porque, sempre que preciso usar terno, as consequências são cômicas. A camisa insiste em sair das calças, a gravata fica torta, nunca sei se é para fechar ou não os botões do paletó, a fivela do cinto sai do lugar a cada cinco minutos.

Vai ver faltou treino. Por sorte, no meu trabalho, camiseta e jeans dão conta do recado. Quando muito, uma camisa por fora das calças, se o tempo esfriar um pouco. Vários conhecidos meus precisam trabalhar usando terno e gravata. Sempre é espantoso vê-los agindo normalmente.

Que vocês não se assustem: o assunto de hoje não versará sobre indumentária. Eu quis usar a referência ao terno para chegar ao ponto principal. Tenham paciência. Tentarei chegar lá.

Tudo começou na semana retrasada. Enquanto eu aguardava o semáforo abrir, tive um estalo: idade é como roupa. Mais ou menos assim: tem gente que se dá bem com terno e gravata e tem gente que não. Ora, tem gente que passa com garbo por uma certa idade e tem gente que não. Eu poderia dar um nome para resumir a coisa toda: a vocação da idade.

Já repararam como tem gente que fica bem numa idade mais avançada? Não estou me referindo somente a um ponto estético. É o pacote completo. Mas tem gente que envelhece mal. Caras que prometiam uma maturidade sábia e que acabam se tornando velhos ridículos. Também pode acontecer algo otimista. Uma pessoa meio tola na casa dos quarenta anos surge bem resolvida na casa dos sessenta. É raro, mas já vi acontecer.

Quando resolvo bancar o filósofo de botequim, tenho de tomar um cuidado danado para não soltar pérolas motivacionais de quinta categoria. Dito isso, vocês precisam saber: aos 46, sinto-me muito bem. Digamos que a idade está com o caimento bom. Por quê?

Fisicamente estou ativo. Tenho encarado sem sustos ladeiras íngremes nas minhas andanças. Parece bobagem, mas três anos atrás eu evitava dar uma volta a pé pelo quarteirão. Tenho lido muita coisa boa. Ainda me empolgo com descobertas no sebo. Revisito empolgado alguns clássicos. Sempre estou matutando acerca do que escrever neste espaço ou em outros contextos. Vivo escarafunchando minhas gramáticas em busca de subsídios para as aulas.

Acho que não faço papelão como pai, marido, filho, irmão, genro, cunhado e amigo. Não terei estátua em praça, mas posso dormir sem pesos consideráveis na consciência. De vez em quando, faço umas burradas, mas isso é parte do jogo.

Digamos que nem sempre eu consegui vestir minha idade com essa tranquilidade. Difícil refletir sobre os anos da infância: tudo muito embaralhado. Minha adolescência não foi sofrida, mas, convenhamos, ninguém veste bem a adolescência. Não é verdade?

Posso dizer convictamente: eu era meio bobo perto dos 20. Só porque eu gostava de ler, julgava-me a sumidade intelectual da cidade. Eu vivia rascunhando uns contos bestas, sombrios. Só lia livros sérios. Nas boates da vida, eu fazia umas coreografias horripilantes. Eu misturava vodca com energético. Eu fazia pose para virar uma dose de tequila. Eu fazia solos imaginários de guitarra. Eu poderia continuar com a lista constrangedora, mas vocês não precisam lidar com isso.

Bem se vê que a roupa dos 20 era um molambo em mim.

nelsonfonsecanetoletraviva@gmail.com