Telefone
Uma vez, lá pelo meio dos anos 90, meu pai e eu estávamos almoçando no Almanara do shopping VillaLobos. Todas as mesas estavam ocupadas, e as conversas eram animadas. E então a algazarra foi interrompida por alguns segundos. É que o telefone celular de um senhor perto de nós tocou. Naquela época pouca gente tinha celular. Lembro bem que o senhor cujo telefone tocou ficou vermelho e não sabia onde enfiar a cara. Surgiram murmúrios de desaprovação. Usar celular em pública era o emblema da grosseria.
Eu estava relembrando o episódio do Almanara um pouco antes de dormir. Logo depois veio, forte, uma imagem: o “cantinho do telefone” na casa da minha avó Clélia. Ficava na fronteira entre a sala de jantar e o corredor que dava acesso aos quartos. Sempre foi um dos meus lugares prediletos daquela casa tão gostosa.
Depois veio a imagem do lugar onde ficava o telefone no apartamento onde meus pais, meu irmão e eu moramos por muitos anos. Ao alcance da mão havia listas telefônicas e agendas. Parece inacreditável que, não muito tempo atrás, as pessoas tinham lugar fixo para falar ao telefone.
Essas imagens e lembranças trouxeram alguns pensamentos meio gaiatos a respeito do telefone na minha vida. Nunca fui dos que gostam de passar longo tempo conversando. Nem na época do telefone fixo e muito menos agora. Só hoje eu me dou conta de que muita coisa boa foi se perdendo ao longo da marcha que fez o telefone celular dominar nossas vidas.
Criança, quando não tinha muito que fazer, passava trote. Não havia identificador de chamada. Todos os que têm uma certa idade sabem as perguntinhas clássicas que fazíamos pra pregar uma peça. Confesso que passei um tempo usando esses recursos manjados, mas depois fui aprimorando o roteiro. Eu até gastava alguns minutos rascunhando histórias que seriam contadas nos trotes. O que não ajudava era a biologia: minha voz ainda não tinha engrossado, e criança imitando voz de adulto não engana um mísero trouxa. Quero deixar aqui meu agradecimento aos adultos que entabularam conversas comigo nos trotes daquela época. Certamente eles notaram que era uma criança do outro lado, mas jogaram o jogo com alegria. Há um paraíso para gente assim.
Nunca cansarei de lamentar o fim da era das listas telefônicas. Eu ficava encantado lendo as páginas tomadas por letras minúsculas e imaginando enredos para aquelas pessoas. Alguns dos endereços eram conhecidos, e então o cenário aparecia praticamente pronto. Mas eu também me deparava com nomes exóticos de ruas. Aí a imaginação dava uns pinotes.
(No meu coração, as páginas da lista telefônica são irmãs das páginas de classificados dos jornais. Eu também ficava hipnotizado com aqueles anúncios. Alguns eram comoventes. Eu imaginava quem era a pessoa que desejava vender um “vestido de noiva em bom estado”.)
As agendas que ficavam ao lado dos telefones eram a garantia de que algo sólido e respeitável fora construído. Uma agenda robusta levava anos para ser preenchida. Ali a gente abria a página na letra “B” e se deparava com nome de médico, nome de comércio, nome de gente que já tinha morrido e nome que inspirava a pergunta: quem é mesmo essa pessoa? Sei de casas cujas agendas só foram escritas por uma pessoa. Como se essa pessoa gozasse de reputação inatacável para empreender tão relevante tarefa. Lá em casa, a letra que dominava era a da minha mãe. Na casa da minha avó Clélia, a da minha avó.
Não por acaso, minha mãe e minha avó ainda hoje têm agendas caprichadas. Podem me chamar de nostálgico, mas para mim isso é prova de caráter de aço.