Pimpa
Muitos escritores transformam suas infâncias turbulentas em páginas inesquecíveis. Charles Bukowski é um ótimo exemplo. “Misto-quente”, livro que trata dos primeiros anos da sua vida, brilha forte ainda hoje.
Aqui, nesta coluna, às vezes trago umas reminiscências do menino que fui nos anos 80. Justo nessas horas me dou conta do seguinte: sou sortudo pra caramba. É até covardia comparar minhas lembranças com os perrengues passados por gente como Bukowski, Nelson Rodrigues e John Fante. Fui uma criança feliz, rodeada de adultos bacanas que nunca tiveram vergonha de esconder o tanto que me amavam.
É por isso que tudo que eu conto por aqui é meio engraçado. Não existe vida perfeita, é claro que passei por momentos tristes, mas nada de muito chamativo. Eu entraria no terreno da ficção se trouxesse coisas muito sombrias. Dessa forma, os relatos autobiográficos que vocês encontram aqui são meio gaiatos, leves, às vezes puxados pro bizarro. Mas ficam nisso.
Então, se vocês permitirem, usarei este espaço para tratar de uma figura maravilhosa da minha infância: a Maria Olimpia Simões, a Pimpa.
Passei minha infância indo a festas de aniversário que rolavam numa boa em noites de segunda ou terça-feira. Isso era mais comum no lado paterno da minha família. Não tinha essa história de esperar o fim de semana para comemorar o aniversário que caia numa segunda-feira. Eram festas que não acabavam cedo. Tanto fazia se era festa de adulto ou de criança.
Posso cravar aqui: as festinhas de aniversário da minha vó Clélia eram as mais legais. Naquela época meus avós moravam na rua do Santa Escolástica. A casa era uma delícia e eu já falei dela mais de uma vez aqui. A casa era uma delícia e ficava iluminada pra receber os convidados. Ia bastante gente lá. Era uma farra. O Pedrinho Salomão mostrava ali, contando piadas e declamando, que era um gigante do teatro.
E nos aniversários da minha vó Clélia não podiam faltar três figuras maravilhosas: a Teresa, a Maria Lúcia e a Pimpa. Elas são irmãs e conhecem minha vó desde crianças. Era só eu chegar e elas me recebiam, em coro, com um animado “Oi, Netinho!”. Tem carinho que a gente recebe na infância e leva pra sempre, e o “oi, Netinho!” é um desses carinhos.
Elas eram boas de papo. Falavam de tudo. Estavam sempre animadas, rindo. Eram finíssimas, mas sabiam tirar um sarro. Não exagero quando digo ser cada vez mais difícil encontrar gente assim por aí. É por isso que ter vivido aqueles momentos com elas representa um tesouro.
A Pimpa era um barato. Tudo nela ornava. A cara séria, o cabelo impecável, a voz grave. À primeira vista, parecia brava. Só à primeira vista, porque era um doce de pessoa. Poucas vezes encontrei alguém com um olhar tão acolhedor. Ela é o melhor exemplo da pessoa que sorria com os olhos.
O ponto alto daqueles aniversários acontecia no carro, quando meus pais davam carona às três irmãs. Era um trajeto curto, mas dava tempo de falar um monte de besteira, de tirar sarro. Aquilo era, sempre penso nisso, uma forma de celebrar a vida. Como se todos os envolvidos estivessem dizendo: “A vida é boa, vamos dar umas risadas e curtir o fato de estarmos juntos”. Há um nome pra isso: sabedoria.
Só que a Pimpa nos deixou no dia 17 deste mês. Eu não paro de pensar nela. Não canso de dizer pra mim mesmo: “Cara, como você é sortudo!”.