Os caminhos que se bifurcam

Por Cruzeiro do Sul

Eu estava na cozinha papeando com a Patrícia, relembrando da época em que nos conhecemos, em 2008. Nossa história começou pra valer numa noite nada promissora de domingo, num barzinho no Campolim, perto da pista de caminhada. Por muito pouco eu não tinha ficado em casa, vendo os gols da rodada. Um amigo chamou pra dar uma volta, demorei um pouco pra responder, acabei topando. Foi a melhor decisão que tomei na vida.

A gente vai pensando nessas coisas e é inevitável surgir a pergunta que começa com o “e se”. E se eu não tivesse ido? E se eu tivesse ido e não olhasse com atenção pra mesa onde a Patrícia estava? Dá pra ficar um tempão bolando as perguntas. Quem tem a cabeça no lugar não gasta muito tutano nessas coisas. Eu não tenho a cabeça no lugar.

Outros assuntos foram surgindo no papo na cozinha, parecia que a praga do “e se?” não ia dar as caras com muita voracidade naquela noite, mas antes de dormir a coisa veio forte. Já disse aqui algumas vezes: eu faço a farra antes de dormir, minha mente vai longe, longe.

Vieram umas imagens da minha época de adolescente. Aí fui lembrando da minha relação com a música. Meus pais sempre foram bons de música. Eu estava prestes a nascer quando eles foram ao show dos Novos Baianos em Marília. Minha mãe disse que eu pulava que nem pipoca na barriga dela. Isso explica o porquê de eu não gostar de música calminha.

Em casa, aprendi a gostar de rock, de Gilberto Gil, de Rita Lee. Eu também via bastante televisão, e os Titãs, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso estavam fervendo. Rolavam umas musiquinhas melosas nos bailinhos nas garagens. Mas era engraçado: eu gostava de música, mas eu não sentia que era um treco vital. Era mais como um acompanhamento bacana pro que ia acontecendo. Depois, dos 20 anos até poucas semanas atrás, eu vivi afastado da música. Não consigo encontrar explicações.

Eu digo essas coisas porque já faz algumas semanas que estou assinando o Spotfiy. Pra quem não está familiarizado: o Spotfiy é um serviço no qual o cliente encontra e ouve a música que quiser. Está tudo lá. E assim, avançado os 40, eu descobri que a música é fundamental. Têm sido semanas intensas, de descobertas, de deslumbramentos, de reencontros. E o pensamento que paira por cima de tudo: como pude viver sem isso?

Hoje, quando escrevo esta coluna, parece inacreditável, mas é verdade: passei muitos anos ouvindo música ruim, aceitando porcariada que as rádios mandavam pro meu carro. Eu ligava o rádio do carro meio que no automático, só pra ter barulho fazendo companhia. Coisa de cacoete mesmo.

Eu, que gosto tanto de pensar a partir do “e se?”, imaginei como seria a minha vida se existisse Spotify quando eu tinha uns 15, 16 anos. Naquela época eu era meio alternativo. Nada muito escancarado.

Roupas convencionais, festinhas, passeios numa boa, futebol, nada que desse bandeira. Mas eu já gostava de ler, de ir ao campo de futebol e reparar mais na torcida do que no jogo, de ficar na minha nos bailinhos, de recorrer a ironias meio turvas.

Eu fico pensando em como tudo seria se eu descobrisse pra valer Lou Reed naquela época. Acho que eu ficaria horas no meu quarto, escrevendo umas letras esquisitas, mandando ver nuns solos imaginários de guitarra, bancando o misterioso, desbravando a cidade quando rolasse a oportunidade. Se dessem corda, eu tatuaria o rosto do Lou Reed na minha testa. Adolescente é meio intenso mesmo.

Mas seria uma justa homenagem ao maior de todos.