A coruja macabra

Por Cruzeiro do Sul

O Duolingo é um aplicativo criado para os que desejam aprender idiomas. Faz muito sucesso. A ideia é que a pessoa pratique um pouco por dia, meio na flauta. Nada é sisudo ali. Você interage com uns bonequinhos engraçados.

O personagem principal do Duolingo é uma corujinha verde. A Patrícia e eu resolvemos testar como é estudar espanhol no Duolingo. Você vai fazendo uns exercícios e vai avançando de nível. Recebe recompensas quando acerta tudo. Há muitas palavras de incentivo. Tudo vai seguindo a lógica de um joguinho.

Ao longo do dia, você vai recendo umas mensagens pelo celular. A Patrícia e eu treinamos no Duolingo à noite, um pouco antes de dormir. Cada lição (fase) dura, quando muito, uns cinco minutos. As vozes das personagens são engraçadas. A minha predileta é a de uma mocinha emburrada, com franja reta avançando até os olhos. Pior que eu conheço gente assim.

Quando digo que a Patrícia e eu estamos praticando espanhol no Duolingo, preciso tomar um pouco de cuidado. Eu sou meio folgado. A Patrícia é muito mais disciplinada. É bonito de ver. Quando ela decide fazer algo, vai até o fim. Eu sou o campeão mundial dos propósitos interrompidos no meio do caminho.

A Patrícia segue firme e forte no Duolingo. A minha empolgação durou algumas semanas apenas. Ontem  mesmo, enquanto eu lia alguma coisa bizarra na cama, a Patrícia estava desbravando o espanhol. O  aplicativo vai mandando pra ela vários elogios merecidos. E eu vou levando umas broncas da corujinha  verde.

Tudo começou quando eu deixei de fazer a lição numa noite. Na manhã seguinte, entre as mensagens do meu celular, tinha uma que era uma tarja vermelha. Era uma bronca suave. O Duolingo estava mostrando estar de olho em mim. Dizia mais ou menos o seguinte: não deixe o desânimo tomar conta de você, continue firme na luta. Na noite do aviso, decidi continuar firme na luta. O Duolingo ficou feliz e caprichou nos elogios.

Foi o que bastou para as coisas soarem um tanto desagradáveis. Aquela corujinha verde fofinha estava se revelando assaz manipuladora. Eu detesto gente que se julga esperta. Manja aquele papo picareta de vendedor de quinta categoria? Aí o lance do Duolingo foi ganhando outros contornos.

A base é a minha preguiça, não nego. Mas depois veio a bronca de ter de lidar com uma corujinha metida a coach. De propósito, fiquei uns dias sem dar a cara no aplicativo. Eu queria saber quais as ferramentas retóricas à disposição da corujinha. E então a coisa foi ficando com cara de filme de terror, daquelas histórias de bonecos que vão ganhando vida e falando umas coisas horripilantes. Nunca me dei bem com isso.

O ícone do Duolingo, que é a carinha da corujinha verde, mudou dramaticamente. Antes a carinha era sorridente, esbanjando saúde. Aí a corujinha mudou. Pareceu estar derretendo. Não é uma imagem bonita, mas o pior estava nas mensagens. Eu comecei a receber várias delas por dia. Diziam que eu era importante. Depois que o Duolingo estava sentindo minha falta. Depois mais uma volta no parafuso: que eu estava pondo algo bonito a perder. Epa! É uma máquina ou uma pessoa que levou o fora e não sabe lidar muito bem com a situação?

A última das mensagens, foi mais ou menos assim: “Pelo jeito, você não quer saber de mais nada. Não mandarei mais mensagens incomodando.” Gente do céu, e pensar que tudo começou com uma brincadeira.