Desopilar
Dá pra você parar de fumar de duas maneiras: de repente ou aos poucos. Conheço gente que decidiu, do nada, largar o cigarro. Fumou o último cigarro e nunca mais relou no bandido. Sem remédio ajudando, sem preparar o espírito. Quem faz assim merece meu mais sincero respeito.
Eu larguei aos poucos. O processo levou uns seis meses. Nos últimos dias, isso lá no começo de 2021, eu fumava meio cigarro no começo da noite. Aí eu percebi que estava meio ridículo fumar um toquinho e larguei mão do vício.
Sei que tem ex-fumante que passa a desenvolver aversão ao cheiro de cigarro. Comigo não foi bem assim. Não me incomodo, mas também não sinto vontade de acender um Marlborão de filtro amarelo. O que ficou bem mais refinado foi o meu radar pra detectar alguém fumando, e olha que o sujeito nem precisa estar muito perto. A gente mora no décimo andar, e eu consigo perceber quando alguém, alguns andares pra baixo, acendeu um cigarro.
Nessas horas eu penso: eu era ingênuo na minha fase tabagista. Eu tinha certeza de que bastava lavar a mão pra disfarçar o cheiro. Eu fumava um cigarro antes de entrar na missa e achava que ninguém ia perceber. Não foi por falta de aviso, porque a Patrícia falou umas duzentas vezes que o cheiro estava me entregando.
Ter parado de fumar não faz de mim um guerreiro notável, e é por isso que eu não fico fazendo discurso moralista contra os que fumam. Se perguntam pra mim, respondo, humildemente: valeu a pena ter parado. O desaparecimento do pigarrinho da manhã é uma alegria. Não receber olhares de reprovação ao acender um cigarrinho na rua também ajuda na jornada.
Eu escrevi isso tudo até agora porque a gente vai chegando aos 50 e vai ficando mais implicante. Minha ideia inicial era escrever sobre o cigarro pra mostrar que minha bronca não passa pelo cheiro do mundo que nos cerca. Aí eu me empolguei e chegamos até aqui. Então eu quero me desculpar pelo corte meio bruto que farei aqui. Outro dia eu falo um pouco mais a respeito de cigarros.
Hoje, sem medo de errar, eu digo: a minha implicância tromba forte com os barulhos que tornam nossa vida mais chata. Às vezes, perto das 6 da manhã, umas motos barulhentas passam com tudo aqui perto de casa. Dá pra perceber que os caras aceleram com gosto. Impossível evitar a pergunta: o que passa na cabeça de um tipo desses?
Quando eu tinha uns 18, 19 anos, meu carro tinha um tocador de CD. Não tem problema algum reconhecer: dependendo do momento, eu me empolgava e punha o som no talo. Eu achava que a música que estava ouvindo era o máximo e que o mundo deveria ser inundado por tamanha bênção. Não falo as músicas que rolavam porque dá vergonha e eu ainda tenho um fiapo de reputação a zelar.
Foi uma fase que durou pouco. Eu entendo gente jovem fazendo isso. Duro é ver gente da minha idade fritando por aí no trânsito, com música arrebentando na caminhonetona. Noite dessas uma caminhonete estava podando vários carros numa avenida movimentada. Tava rolando essas músicas de sofrência no sonzão da fera. O cara brecava aquele trambolho a poucos centímetros do carro da frente. O farol alto corria solto. Muitos motoristas estavam assustados. Deu pra ver uns carros com criança pequena na cadeirinha. Para meu azar, enquanto eu estacionava o carro na padaria, a caminhonete grotesca parou ao meu lado. E dela desceu um tampinha com cara de invocado. Pensei: “cara, ser você é triste demais da conta”.
Qual é a graça de envelhecer sem resmungar por aí?