Inimigo

Por Cruzeiro do Sul

Ontem eu fui colocar o João Pedro pra dormir e comecei a pensar, enquanto ele pegava no sono, no seguinte: algumas palavras e expressões não davam as caras nos anos 90. “Churras”, “facu”, “zona de conforto”, “influencer”, “blogueiro”, “fake news”, “algoritmo”. Aí o João Pedro capotou. Aí eu saí do quarto dele pensando: ganhamos ou perdemos com o surgimento dessas palavras/expressões? Aí fui dar uma chorada no banheiro. Modo de dizer, né?

Cara, faz tempo que venho implicando com o algoritmo. Eu ia tentar explicar o que é aqui, mas desisti porque eu não sei direito o que é. Uma boa primeira pergunta seria: pra que serve o algoritmo? Pra ferrar a sua vida.

Brincadeira. Vó, imagina o seguinte: você vai à padaria e se interessa por um bolo de fubá. Aí, na semana seguinte, você volta à padaria e o pessoal de lá fica oferecendo, sem parar, todos os tipos de bolo de fubá da paróquia. O algoritmo faz isso na tragédia que é a internet. Você se interessa por algo e passa a ser bombardeado por propagandas daquele produto.

Dá pra dizer que o algoritmo diz muito a respeito da pessoa. No meu caso, ele diz o seguinte: cara, que fase! Tenho perfil no Facebook e no Instagram. Dou um pulo por lá pra passar raiva. Como se eu tivesse uma morsa em casa, lá no quartinho da lavanderia, e fosse dar uma apertada no meu dedo, só pra sentir uma dorzinha.

Vamos deixar o Facebook de lado nesta explanação. Aquilo ali tá meio caído, com cara de bar que vai fechar na semana que vem. O Instagram tá fazendo mais sucesso. (Tem gente que fala “Insta”. Um conselho: fique longe desse pessoal.) Então, o que o algoritmo do Instagram diz a meu respeito?

Que estou interessado em: imóveis europeus com preços exorbitantes, relógios de luxo, doces fitness, doces da velha guarda, camisetas com estampas cult. Sou um almofadinha, preocupado com a forma física, mas que tem umas recaídas e gosta de comer doce de verdade. Isso tudo vestindo uma camiseta de Neil Young.

Cara, que tristeza! Eu não sou assim, juro que não. Preciso me explicar. Sobre o lance dos imóveis europeus caríssimos: vi uma vez o vídeo de um apartamento muito bem decorado em Paris, aí passei a receber vídeos de apartamentos em Roma, Berlim e Londres. Vejo essas coisas porque acho inacreditável alguém abrir a porta de varanda e dar de cara com o Coliseu. Tem dessas coisas, acredite.

Sobre relógios de luxo: só fui ver um vídeo da marca Omega. Eles estavam homenageando o Snoopy. Eu sou meio vidrado na turma do Charlie Brown, então já viu, né? Agora tenho de lidar com uns caras usando relógios que parecem ter saído do espólio da Elke Maravilha.

Sobre os doces fitness: apareceu um doce com jeitão bom e eu fui ver como fazia. O lance durou dez segundos porque o cara que executava a receita era insuportável. E agora tenho de lidar com marombas fazendo brigadeiros e brownies. Justa punição.

Sobre os doces da velha guarda: ainda resta um pouco de sanidade mental em mim.

Sobre as camisetas com estampas cult: algumas são muito bacanas mesmo. Compraria tranquilamente se elas estivessem numa loja, mas tenho medo de comprar pela internet e a camiseta ficar muito apertada ou parecendo um vestido. Talvez você ache esquisito ler uma coisa dessas em 2024, mas, cara, eu nunca peguei um Uber. Recorro ao bom e velho táxi.

Mas as camisetas cult têm um problema: o famoso drible a mais. O drible a mais é a firula desnecessária. Uma coisa é a camiseta com a capa de um disco do Velvet Underground: legal, beleza, show de bola. Outra coisa é a camiseta com um texto gigante do Lou Reed. Aí, não, meu chapa.

O algoritmo é a minha Moby Dick.