Sujeito a instabilidades
Se você anda com livros por aí e mostra que gosta de ler certamente já ouviu a pergunta: qual é o seu livro favorito? Eu já ouvi algumas vezes e nunca consegui responder de forma assertiva. Pra não parecer grosseiro, falava de um clássico qualquer, só pra me livrar daquele constrangimento.
Agora eu respondo sem pipocar: depende da minha fase. Passei uns bons anos dizendo que “Guerra e paz” era o maior de todos, e não apenas no tamanho. Já o li sete vezes. Já tem tempo minha última releitura. Tentei, recentemente, encarar a bronca, mas não rolou. Claro que o problema não está no Tolstói; está em mim. Se bem que não é um problema. A coisa é simples: estou na fase de ler outras coisas.
Também atravessei uns dois ou três anos falando apaixonadamente a respeito dos contos de Machado de Assis. Continuo achando aquelas histórias maravilhosas, mas nem tento chegar perto agora. Não é aversão, pelo amor de Deus: só não estou na sintonia certa, sei lá.
Não muito tempo atrás, eu devorava romances policiais. Várias vezes, aqui na coluna, bati no peito dizendo que a literatura policial era o auge da criação humana. Olho pra estante atrás de mim e reconheço alguns livros que me empolgaram. Hoje eu sei que vai demorar pra eu voltar ao Dashiell Hammett. Desnecessário dizer que ainda o considero um dos grandes.
Neste bizarro ano de 2024 eu cismei com a turma do Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Rubem Braga, Otto Lara Resende. Eu dizia que aqueles textos com ar de conversa fiada eram o sal da terra. Continuo achando isso, mas não me sinto inclinado a voltar ao Otto Lara Resende agora. Tomara que esta fase passe.
Na literatura brasileira mais manjada, fiquei alucinado, no começo dos anos 2000, com a obra do Lima Barreto e do Graciliano Ramos. Eu dizia coisas do tipo: “’São Bernardo’ é fonte inesgotável de preciosidades”, “’Triste fim de Policarpo Quaresma’ é o grande livro para entender a essência dos descalabros brasileiros”. Depois eu baixei a bola, ainda que considere notáveis os dois romances. Esses dias mesmo eu li algumas páginas de “Memórias do cárcere”. A ideia era engrenar na leitura do livrão. As primeiras páginas foram suficientes.
Dizem que ler bastante é algo maravilhoso. Concordo, mas pode trazer alguns problemas. O duro de ler bastante é que chega a hora de reler. Nem sempre reler é esse glamour todo. Muitas vezes pode até ser fonte de constrangimento. Não estou aqui pra espinafrar autores, então não darei nome aos bois, mas já aconteceu de eu voltar a um autor que mexeu forte comigo na primeira leitura e que na releitura não é tudo isso. Pensamentos do tipo “onde eu estava com a cabeça pra achar isso bom?” vão tomando conta da gente. Acreditem: não é uma forma legal de passar o tempo.
Em algumas regiões das Minas Gerais, falar que alguém é “sistemático” é chamá-lo de biruta recorrendo ao eufemismo. Passei muitos, muitos anos mesmo sendo sistemático nas minhas leituras. Tipo: vou ler tudo desse cara. Ou: vou ler tudo de literatura russa. Hoje não tem sombra disso. Tudo é zoneado. Regredi? Não: me libertei. Em nome da sistematização, fui engolindo um monte de coisa chata. Já tive a minha síndrome de “bom moço”. Quer saber? Ainda bem que saí disso.
Agora peço licença pra voltar ao José Falero, um cara jovem de Porto Alegre, que escreve do jeito que o diabo gosta. É o meu autor favorito. Por enquanto.