Das pequenas grandes coisas

Por Cruzeiro do Sul

 

Passei muitos anos da minha vida tendo engulhos por qualquer bobagem. Fazer limpeza odontológica era um terror por causa daqueles moldes de isopor com flúor.

A consulta com o otorrinolaringologista era uma aventura horrorosa por conta dopalito pressionando a língua para o exame da garganta. Por enquanto estou recorrendo a exemplos meio bobos. A coisa piora.

Hoje sou um cidadão pacato que aprecia dormir cedo, que fica de olho naalimentação, que faz exercícios físicos regularmente, essas coisas. Mas já tive, lá pelos vinte e poucos, minha fase de apreciador da noite sorocabana. Predileção por boates, para ser mais exato.

Nem sei se tem tanta boate hoje na cidade, e não estou bancando o desavisado cool. Nos meus vinte e poucos tinha bastante boate. Filas malucas na entrada, música alta pra caramba, uma galera fumando num lugar malucamente fechado (naquele tempo podia), filas que testavam nossa paciência na hora de pagar, bebidas batizadas, baixarias as mais variadas. O de sempre, diria o poeta.

Eram complicados os banheiros das boates, e eu estou sendo bonzinho aqui. Eu ia a esses lugares só em último caso. Último caso, bom esclarecer: fazer xixi. Um ato simples, mas que, no mundo das boates, faz a gente pensar na capacidade do ser humano de avacalhar as coisas. Vi coisas inacreditáveis naqueles tristes banheiros.

Vou tomar cuidado com as palavras, de modo que o leitor não se sinta agredido. Não recorrerei a descrições típicas dos autores naturalistas do século 19, porque ninguém merece uma coisa assim a esta altura do campeonato. Basta dizer que eu ia fazer meu xixizinho implorando mentalmente para me deparar com um sanitário em condições adequadas, a saber: com a descarga acionada pelo usuário anterior.

Não tenho números exatos, mas posso dizer que era como brincar de roleta-russa com umas quatro balas no tambor. Ou seja: bem arriscado.

Mas o que eu encontrava ali? O leitor que preencha a lacuna com a sua imaginação. Não era bonito, e eu sempre pensava como o cara tinha conseguido fazer aquilo. Mas a dúvida suprema era: o que faz uma pessoa não acionar a descarga?

Não pode ser pudor higiênico, porque, se não estou enganado, é de bom alvitre lavar as mãos depois de fazer suas necessidades. Será que é algum sortilégio, simpatia, dessas coisas que a gente vê na internet? Só isso explica.

Bom, essa volta toda pra dizer que, quando eu dava azar, tinha de me controlar para não, como se diz, soltar o mico. Era um esforço terrível, eu ficava tossindo freneticamente, torcendo para não dar tanta bandeira assim. O mais maluco é que tinha uns caras que se deparavam com coisas horrorosas nas privadas e levavam numa boa, até davam umas risadas. Bem que eu queria ser assim. Caminhar pelo centro foi um horror por muito tempo. Eu dava meus engulhos quando me deparava com cocô de cachorro ou com uma pomba morta. Sabendo dessa sensibilidade meio exacerbada, fiquei preocupado quando o João Pedro estava pra nascer. Será que darei conta de trocar a fralda do meu amado pimpolho?

Fiquei realmente encanado. No fim deu certo, zero de nojinho do cocô do João Pedro.

Isso me fortaleceu de tal modo que hoje ando tranquilamente pelas ruas, claro que atento aos cocôs na calçada, mas sem ter piripaque. Dá até orgulho.

De qualquer forma, mesmo não sofrendo mais, deixo uma pepita de sabedoria: aperte a descarga. Eu juro que nada de ruim vai acontecer com você.