Amor empoeirado

Por Cruzeiro do Sul

REPRODUÇÃO
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Em termos culturais, literatura e futebol são as coisas mais importantes da minha vida. Tratei muito mais da literatura por aqui ao longo desses anos todos. Não foi por julgar livros mais dignos do que a bola. A explicação é simples: parei de acompanhar futebol com a paixão que sempre foi a marca da minha relação com o esporte.

Não vou alegar falta de tempo. A gente sempre acha umas brechas pra fazer o que gosta. Também não rolou alguma decepção profunda. Tudo é muito mais elementar: o jogo de futebol tornou-se rápido demais pra mim. Até que eu tento dar umas espiadas num ou noutro jogo, mas disperso rápido.

Seria dramatizar dizer que as coisas pioraram no mundo do futebol. Não sei dizer se pioraram. Certamente elas ficaram mais vertiginosas. Para não parecer implicância com o futebol: não consigo ver filmes contemporâneos que abusam de cortes rápidos de cenas. Expandindo o problema: quando a televisão resolve transmitir um show ao vivo, fico meio tonto com as imagens que vão mudando a cada dois, três segundos.

Fui até a cozinha pegar um copo de água e resolvi reler os três primeiros parágrafos deste texto. Sorte que fiz a pausa. Do contrário, eu continuaria embalado na abordagem boazinha. Tudo bem, acho mesmo difícil acompanhar jogos rápidos, mas não é só isso. Vamos falar a verdade? Fico meio bodeado com algumas coisas do futebol de hoje.

Tenho de tomar um cuidado danado pra não parecer uma caricatura resmungona, mas vamos lá: as arenas que foram surgindo nos últimos anos são lindas, modernérrimas e coisa e tal, mas eu prefiro os estádios antigos. Nunca fui às arenas e pode parecer papo de ignorante, mas sou vidrado no Pacaembu, no Morumbi antes das reformas, no Parque Antarctica.

Sei que vai ter gente dizendo: Neto, a fila anda; o que já foi, já foi; não romantize a precariedade. Eu sei, pô! Eu gosto de conforto. Não acho que charretes são melhores que carros e que máquinas de escrever são melhores que computadores, mas essas arenas abusam da firula. E enfiam a faca até o cabo. Sei que rola o argumento da gestão financeira, do sócio-torcedor, dos balancetes, mas não me preocupo com isso. Deixem-me ser inconsequente.

Olha, vocês não podem dizer que eu não tento, porque só eu sei que quando tem jogo à noite na tv eu gasto um tempo tentando acompanhar, mas já vou ficando irritado com esse inferno de bets ocupando todos os espaços. Eu tenho uma opinião meio fundamentalista a respeito: não tem que ter bet. Curioso é ver agora que as bets são responsáveis e sempre fazem um alerta fofinho sobre apostar conscientemente. Tem trouxa que compra a lorota.

Os jogadores de hoje, na média, são meio malas, meio influencers, blindados por coachs. Lá atrás, um Edmundo, um Edílson, um Romário, um Éder, um Ricardo Rocha, um Djalminha, esses caras todos, apimentavam a parada. O Djalminha, inclusive, foi o protagonista do lance mais espantoso que eu vi num campo. Foi no Parque Antárctica, final dos anos 90, noite de quinta-feira, campeonato paulista, contra o América de Rio Preto. O Palmeiras ganhou de 6 a 1. No meio do segundo tempo, alguém dá um balão e a bola vai longe pro alto. O Djalminha dá uma matada sobrenatural no peito e toca de lado como se fosse a coisa mais corriqueira do mundo. Quando a partida terminou, a torcida foi embora xingando o Chico Lang.

O futebol é sensacional, mas eu parei no começo dos anos 2000. Coisas da vida. Não sigam meu exemplo.