Filmes do Youtube: Hannah Arendt (parte 4 de 5)

Por Cruzeiro do Sul

Na semana passada comecei a escrever sobre a posição frontalmente contrária de Hannah Arendt a regimes autoritários. Isso é compreensível, porque ela vivenciou a chegada ao poder do nazismo na Alemanha e depois, vivendo na França, assistiu ao país ser tomado pelos alemães e viu a implantação do regime fascista na França, sobre o qual escrevi quando analisei nesta coluna o filme O destino de Haffmann.

Os totalitarismos são fundamentados no terror, na mentira, na sistemática perseguição a inocentes que não aderem ao regime. Segundo Arendt, o que favorece o surgimento de regimes totalitários são os indivíduos que compõem a categoria de “ralé”, apresentada por ela em seu livro Origens do totalitarismo. O termo original usado por Arendt para ralé é “mob”, ou seja, turba, malta, caterva etc. Ralé é diferente de “povo”. A ralé é um ‘refugo de todas as classes‘ e existe em todas as classes econômicas e sociais, etnias, níveis de escolaridade. O que une essas pessoas no conjunto é o ódio à representação política (instituições, congresso, parlamento, partidos) e o ódio à sociedade, pois se sentem excluídas de alguma forma. Enquanto o povo luta por um sistema representativo, a ralé quer se submeter livremente a um líder autoritário, que se utiliza de discurso de ódio e de violência verbal.

Afirma Arendt em Eichman em Jerusalém: “E assim como a lei de países civilizados pressupõe que a voz da consciência de todo mundo dita Não matarás, mesmo que o desejo e os pendores do homem natural sejam às vezes assassinos, assim a lei da terra de Hitler ditava à consciência de todos: Matarás.” Mais adiante, Arendt escreve: “Desde que a totalidade da sociedade respeitável sucumbiu a Hitler de uma forma ou de outra, as máximas morais que determinam o comportamento social e os mandamentos religiosos — “Não matarás!” — que guiam a consciência, virtualmente desapareceram. Os poucos ainda capazes de distinguir certo e errado guiavam-se apenas por seus próprios juízos. Muitos alemães, mesmo nazistas, devem ter sido tentados a não matar e a não se tornarem cúmplices de todos os crimes do nazismo. Essas pessoas, continua Arendt, tinham aprendido a preservar a vida, a não matar e só Deus sabe como conseguiram se corromper moralmente contra a própria vontade e aderir aos mandamentos do nazismo. Esses impasses morais surgiam porque a morte de “desvios humanos” está no fundamento da ideologia nazista: liberais, comunistas e socialistas, deficientes físicos, povos do Leste europeu, ciganos, judeus, artistas de vanguarda, testemunhas de Jeová, maçons, inimigos do novo homem representados pelos opositores etc.

Uma das características principais de Eichmann é que ele não refletia, ele não conseguia estabelecer nexos entre sua própria psicologia e o regime ao qual servia. Nesse sentido, era um cidadão carente de pensamento, vazio de pensamento. É a partir dessa constatação que Arendt expõe outro conceito fundamental, o de “vazio de pensamento”. Ele está na essência constitutiva da “banalidade do mal”, especialmente em situações em que se manifesta a tendência a se engajar em regimes totalitários. Para detalhar o conceito de “vazio de pensamento”, usarei um artigo de Aline Matos da Rocha já citado na primeira parte desta análise.

Está série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec