O barro nas mãos do oleiro Sola
Vanderlei Testa
Quando comecei a ler no Grupo Escolar Senador Vergueiro, uma das palavras que me lembro na memória, é “Sola”. Explico: havia no quintal de minha casa uma parede de tijolos com cobertura de telhas estampado o nome da olaria. Era SOLA. Assim mesmo, em letras maiúsculas. O bairro Além Ponte é conhecido por seus imigrantes espanhóis e italianos. O italiano Pedro Sola teve sua origem em Sam Pietro Apatiernos, província de Nápoles. Ele nasceu em 26 de setembro de 1889. Aquele garoto inquieto perdeu o pai nos seus primeiros anos de vida. Aproveitando a motivação da Itália à imigração ao Brasil, Pedro Sola com 12 anos de idade chegava ao nosso país com sua mãe e irmãos. Isso em 1901. Sua mãe Tereza Fiori Sola e seus seis irmãos chegaram ao Brasil e todos foram levados à cidade de Laranjal Paulista. Viúva, Tereza teve que trabalhar na lavoura de café. Deixava os filhos em casa para garantir a sua sobrevivência. Essa histórica aventura da família Sola teve uma duração de 10 anos. Os filhos Pedro, André, João, Giácomo, Mariana, Carmela e Vizenza também trabalharam muito para ajudar a mãe nessa década em fazendas de Laranjal Paulista. Considerados colonos italianos com braços fortes, os filhos eram operários unidos com a mãe Tereza em economizar o máximo para melhorar de vida. Foi assim que em dez anos conquistaram o próprio sitio. Foi depois de uma queda no plantio do café e desvalorização no mercado, que fez o proprietário vender a propriedade à viúva Tereza e aos seus filhos.
A providência divina ajudou a família. De posse dessa roça de café, foram agraciados com a retomada econômica do produto e com o plantio que fizeram. Ganharam um bom lucro. Nascia ali a inspiração para encontrar em Sorocaba uma nova atividade, adquirindo uma olaria em 1924. O inspirado filho Pedro Sola chegou a Sorocaba já casado com Eugênia Pivetta que ele conheceu em Laranjal e nascida em Tietê, em 21 de junho de 1896.
Uma mudança radical na vida da família. Da plantação do café para o barro nas mãos do oleiro Sola. Sem nenhuma experiência no ramo, Pedro teve ousadia na mudança de negócio e muita determinação. Era um trabalho artesanal, árduo e perigoso pelos processos rudimentares com a fabricação dos tijolos e telhas feitas manualmente uma a uma. De segunda a domingo, dia e noite, os fornos mantinham-se ligados com muita lenha queimada. A cidade de Sorocaba crescia em construções e a demanda desses materiais essenciais ganhava pela qualidade artesanal da cerâmica do Pedro Sola e irmãos, a preferência de compra dos sorocabanos. Foram muitos anos de trabalho do casal Pedro e Eugênia formando a sua descendência de filhos e produzindo sua marca estampada Sola em tijolos e telhas. Com a expansão de novas olarias e outros comércios dos membros da família Sola, foi criada a divisão na sociedade desses empreendedores na cidade. Pedro Sola ficou com a olaria original na rua Campos Sales, 624. Uma empresa ícone nesse segmento.
Eugênia e Pedro Sola, com sua garra incrível, não se limitaram a ficar só na olaria. Eles queriam mais do seu tempo e trabalho. Compraram umas terras na Vila Itavuvu e plantaram mais de 15 mil pés de café. Criaram gado leiteiro na fazenda Sola. Todos os dias, a dona Eugênia fazia a ordenha de leite de suas vacas e vendia na vizinhança. Até queijo saia da sua produção caseira. Uma das grandes inovações do Pedro e os filhos na Olaria Sola foi na área financeira. Eles encontraram uma nova fórmula para vender mais seus produtos. Começaram a financiar por conta própria, sem cobrar juros, aumentando sua freguesia. Essa estratégia levou a indústria cerâmica Sola a ser considerada uma das mais conceituadas do Estado de São Paulo nos anos 60.
Pedro com seus filhos, Dante, Mauro, Rennê, Ailton, Domingos, Leonilda e Maria Aparecida Sola construíram uma olaria com máquinas modernas em tecnologia de produção. Dona Eugênia faleceu em 1971 e Pedro Sola em 15 de outubro de 1972. Pedro foi reconhecido como cidadão sorocabano em título recebido no dia do seu padroeiro São Pedro, em 29 de junho de 1971.
Em 2020, ainda ocupando uma grande área na Vila Assis, em Sorocaba, encontramos a mesma filosofia desde 1924 como um orgulho das gerações Sola. Rennê Sola, um dos filhos do Pedro, comanda essa histórica olaria. Ele traz consigo o DNA do pai e da mãe, cuja herança maior foi transmitida em uma educação de respeito humano.
Nas redes sociais em postagens de amigos sobre a história da Olaria Sola, respondendo uma pesquisa que realizei, encontrei mensagens emocionantes, como essas: “eu pegava pedaços de tijolo fresco para brincar”, contou Sônia Regina Marques Leite. Antonio Carina Ferreira Siqueira, conta que trabalhou na olaria em 1962. A Cassia Costa relata: “faz parte da minha infância. Na década de 60, morávamos bem próximos da olaria. Minha avó e minhas tias moravam ao lado da cerâmica. A criançada toda ia brincar na beira do rio Sorocaba e tínhamos que passar por dentro da olaria para chegarmos até lá. Bons tempos”. A lembrança do Valter Prado Bernabé: “nadei muito na lagoa do Pedro Sola. Jogava bola no campo do América e nadava na lagoa”. Jairo Sanches Molina se recorda que o número do telefone da Olaria Sola era 186. Na época das telefonistas e com três dígitos. Hoje os telefones contam com oito dígitos e mais o DDD. Evolução de 1924 até 2020 também na telefonia e nos tijolos e telhas produzidas nas mãos dos oleiros e, agora por máquinas eletrônicas digitais.
Vanderlei Testa jornalista e publicitário escreve às terças-feiras no Jornal Cruzeiro do Sul e aos sábados no www.blogvanderleitesta.com e www.facebook.com/artigosdovanderleitesta