Vendas do varejo batem recorde durante pandemia
O auxílio emergencial e as mudanças nos hábitos de consumo provocadas pela pandemia criaram uma espécie de bolha de crescimento dentro da crise econômica na qual o País mergulhou. O varejo registrou em agosto seu quarto crescimento consecutivo -- desta vez, de 3,4% em relação a julho. Com isso, o setor superou em 8,2% o patamar de fevereiro, antes da chegada da Covid-19. E, mais ainda, alcançou, no mês de agosto, o maior volume de vendas de toda a série histórica do IBGE, iniciada em janeiro de 2000.
Esse crescimento, porém, não é regular. As vendas de móveis e eletrodomésticos estão 24,2% acima do patamar pré-pandemia. As de materiais de construção, por sua vez, superam em 19,2% esse nível. Mas o desempenho do segmento de automóveis vai no sentido contrário: está 12,9% abaixo de fevereiro. E as vendas de livros e materiais de papelaria estão quase 40% menores que antes da pandemia.
Para a analista Isabela Tavares, da Tendências Consultoria, é surpreendente que a atividade tenha atingido o maior patamar da série histórica em meio à pandemia e a uma crise econômica inédita. Ela diz que o desempenho é resultado de um bom mix de programas do governo, que elevaram a renda e mantiveram empregos formais, e da restrição ao consumo de serviços por causa do distanciamento social. Como ninguém está gastando com salões de beleza, academias de ginástica ou cinemas, sobra dinheiro para a compra de comida, eletrodomésticos ou materiais de construção.
Essa configuração do consumo tem beneficiado também a indústria, que apresenta uma recuperação consistente nos últimos meses -- embora, como no varejo, não espalhada em todos os setores. Mas prejudica os serviços, que são parte importante do PIB e têm tido uma recuperação muito fraca. Para Daniel Silva, economista da Novus Capital, essa é uma dinâmica que deve se manter nos próximos meses.
Para o mercado, apesar da surpresa positiva com o resultado do varejo, a principal fonte de incerteza para o restante do ano vem da redução da parcela do auxílio emergencial, de R$ 600 para R$ 300. A maior dúvida, no entanto, é a virada para 2021, quando os benefícios devem ser extintos sem que o mercado de trabalho tenha se recuperado o bastante para que haja uma retomada da renda. (Daniela Amorim, Cícero Cotrim e Thaís Barcellos - Estadão Conteúdo)