‘Amigo não derruba, amigo levanta’

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Lorenzo Nunes segeriu à professora que os alunos se unissem para fazer um vídeo e alertar as crianças sobre os perigos. Crédito da foto: Divulgação

Os alunos do 1º ano da Escola Municipal Matheus Maylasky conversaram muito sobre o assunto, com a ajuda da professora Érica Bastida. Crédito da foto: Divulgação

“Não é pra fazer isso, amigo não derruba, amigo levanta.” É o que ensina Sofia Giacaglia Celli, de 6 anos, sobre uma “brincadeira” (de mau gosto) que viralizou na internet. Três pessoas devem estar em pé, lado a lado. As duas da ponta pulam primeiro e a do meio fica parada. Em seguida, é a vez de quem está no meio pular. Só que nesse momento, ela recebe uma rasteira dupla, levando um tombo que pode levar à morte.

Sofia, assim como seus colegas do 1º ano da Escola Municipal Matheus Maylasky, alunos da professora Érica Bastida, já estão bem espertos com relação a esse tipo de “brincadeira”. A professora conversou com eles sobre esse assunto, mas parte dos alunos -- todos com 6 anos -- também sabia porque os pais falaram ou porque viram na televisão.

Sofia Celli tem bastante consciência de que quem é amigo de verdade não deve fazer brincadeiras esse tipo de brincadeira. Crédito da foto: Divulgação

Quem começou a divulgar essa tal rasteira foi o youtuber Robson Calabianchi, o Fuinha. Ele tinha postado um vídeo no Tik Tok e no Instagram onde aparecia, ao lado de um amigo, dando a rasteira na própria mãe. Arrependido, Fuinha tirou do ar e pediu desculpas. Ele falou que não tinha imaginado ser tão perigoso e nem percebeu que poderia ter matado a própria mãe.

Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, uma adolescente de 16 anos morreu depois de uma brincadeira parecida. Chamada de roleta russa humana, quebra-coquinho ou quebra-crânio, essa atitude impensada causou sofrimento não só aos familiares da menina, aos professores, como também a quem fez isso pra ela.

A professora Érica, do Maylasky, mostrou para a sua turminha um vídeo e também conversou bastante. Em um dos materiais, um médico fala sobre o que pode acontecer ao cair. Bater a cabeça pode causar fratura no crânio, levando à morte. Também pode acontecer lesão na coluna, ocasionando tetraplegia (quando a pessoa não mexe o corpo do pescoço pra baixo), paraplegia (quando fica imóvel da cintura pra baixo) e hemiparesia (paralisa um lado do corpo) -- em todos esses casos a pessoa passa a precisar de cadeira de rodas para se locomover pelo resto da vida. A “brincadeira” pode ainda fazer com que o alvo quebre os punhos ao se apoiar ou machuque outras partes do corpo, dependendo de como será a queda. “Ele falou não só do risco físico, mas também que a brincadeira tem outras consequências como o tom do deboche, o fato de zombar, tirar sarro. Isso coloca a pessoa numa situação vexatória, a criança que foi alvo pode ficar triste, sem vontade de ir à escola”, afirma Érica.

Na oportunidade, todos ficaram sabendo que a morte, na vida real, não é como no videogame, em que depois de morto o personagem volta a ter vidas. “Com os seres vivos, acabou, a gente pode perder pessoas que gostamos por uma situação como essas”, diz a professora.

Problemas até para os pais

O coordenador do Departamento de Neurologia Pediátrica do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo, Carlos Takeuchi explicou durante entrevista para o Estadão Conteúdo, que a forma que a pessoa cai é diferente. “Quando a gente tropeça, pode bater a cabeça, mas tem o reflexo de defesa, de colocar a mão (para se proteger). (Nessa brincadeira), a pessoa cai sem defesa. Ela vai ter a queda um pouco acima da própria altura. Um adolescente de 1,60 metro cairá de quase 1,80 metro sem se proteger”, alerta.

Ainda para o Estadão, o advogado criminalista João Paulo Martinelli, professor da Escola de Direito do Brasil (EDB), informa que os pais podem ser responsabilizados pela atitude dos filhos, já que se causarem a morte de uma pessoa, estão praticando um crime.

João Pedro soube, pelo jornal, das notícias sobre essa brincadeira de mau gosto e suas consequências. Crédito da foto: Divulgação

João Pedro da Silva Redini disse que viu no jornal o que aconteceu por causa da brincadeira. “Minha avó ficou assustada com isso”, comentou.

Já Luiz Pietro Barrada Leite, alerta: “É uma brincadeira egoísta, sem graça e muito perigosa. Se fizermos isso podemos ficar sem videogame, sem celular, sem ir ao shopping, ficaremos uns dois ou cinco anos de castigo”, disse. Indignado com tudo o que vem acontecendo, Luiz levantou de sua carteira para enfatizar que “até mesmo uma picadinha de mosquito pode matar”. “Antes eu não sabia que o mundo é tão perigoso”, acrescentou.

“É uma brincadeira egoísta, sem graça e muito perigosa”, diz Luiz Pietro, aluno da escola municipal Matheus Maylasky. Crédito da foto: Divulgação

Ainda conforme Luiz, na rua da casa do seu pai os meninos iam fazer a brincadeira. “Mas eu fui lá e segurei o menino que levaria a rasteira. Segurei a perna dele pra não cair, porque depois quebra e tem de chamar o Samu”, contou.

Lorenzo Nunes segeriu à professora que os alunos se unissem para fazer um vídeo e alertar as crianças sobre os perigos. Crédito da foto: Divulgação

Lorenzo Nunes de Oliveira sabe bem de todos os perigos e na sua opinião, um amigo jamais faria uma coisa dessas com o outro. Ele e seus colegas sugeriram para a professora fazer um vídeo falando que não é legal esse tipo de atitude.

Logo na volta às aulas, Isaías Costa Rodrigues Oliveira pensou que na escola um monte de gente iria ‘brincar’ dessa forma. Ele sentiu medo. “Daí fiquei feliz porque não vi ninguém fazendo”, comemorou.

Isaías Oliveira pensou que ia encontrar a brincadeira na escola, na volta às aulas, e diz que sentiu medo. Crédito da foto: Divulgação

Para evitar tragédias, estudantes de diversas escolas começaram a divulgar na internet vídeos orientando a não aderir à “brincadeira”. Entre eles, alunos do Colégio Politécnico de Sorocaba. Para conferir a gravação, basta acessar o QR Code. (Daniela Jacinto)