Pandemia confunde limite entre trabalho e vida privada
Onde termina o trabalho e começa a vida privada? A pandemia e suas legiões de trabalhadores em domicílio apagaram ainda mais a linha que os divide e isso merece mais atenção, alertou a ONU nesta quarta-feira(13).
Trabalhar em casa é algo que vai durar, então os funcionários precisam de maior proteção e melhor conhecimento dos direitos e riscos associados a este novo modo de vida, destaca a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em um relatório.
"Como o mundo foi brutalmente afetado pela pandemia de covid-19, legiões de trabalhadores se adaptaram da noite para o dia para trabalhar em suas casas, para proteger seus empregos e suas vidas", disse esta agência da ONU, para a qual há dúvidas se trabalhar de casa “será muito importante nos próximos anos”.
Aumento acelerado
A entidade estima que em 2019, ou seja, antes da pandemia que começou na China e se espalhou pelo mundo, cerca de 260 milhões de pessoas trabalhavam em casa, o que equivale a 7,9% do total de trabalhadores. A covid-19 aumentou essa taxa para cerca de 20% nos primeiros meses da pandemia, estima a agência.
A OIT distingue três categorias de trabalhadores em domicílio: os teletrabalhadores permanentes, além do grande número de assalariados que produzem bens cuja fabricação não pode ser automatizada, como bordados, produção de artesanato ou montagem eletrônica, e uma terceira categoria de colaboradores de plataformas digitais (atendimento a sinistros, revisão documental e compilação de dados destinados sistemas de inteligência artificial, por exemplo).
Em países de renda baixa e média, a maioria dos trabalhadores domiciliares é considerada autônoma, enquanto nos países ricos eles são predominantemente empregados. A maioria é formada por mulheres (147 milhões, contra 113 milhões de homens em 2019).
“A regulamentação do trabalho em domicílio muitas vezes é insuficiente e o cumprimento da regulamentação em vigor continua a ser um verdadeiro desafio”, indica a OIT, sobretudo devido às regulamentações dos autônomos que “os exclui do ambiente de aplicação das leis trabalhistas". Assim, por exemplo, em países de baixa e média renda, praticamente "todos os trabalhadores domiciliares (90%) trabalham informalmente".
“Para os teletrabalhadores o grande perigo é que se apague a diferença entre os períodos laboral, pessoal e familiar”, destaca o relatório, que insiste na necessidade de considerar os riscos psicológicos associados ao trabalho isolado.
É também muito importante "introduzir um 'direito de desligar' que garanta o respeito aos limites entre a vida profissional e privada".
Situação menos favorável
A OIT destaca que uma das vantagens de trabalhar em casa é a maior flexibilidade de horários e, em geral, considera que os domiciliares trabalham menos horas. Para esses trabalhadores, oferecer infraestrutura de atendimento a crianças é fundamental "para aumentar a produtividade e ajudar a conciliar a vida profissional e familiar, e para as trabalhadoras domiciliares na indústria, isso ajuda potencialmente a romper o ciclo da pobreza ”, sublinha a OIT.
Mas, de modo geral, esses trabalhadores estão "em uma situação menos favorável". "Eles ganham em média 13% menos no Reino Unido, 22% menos nos Estados Unidos, 25% menos na África do Sul e cerca de 50% menos na Argentina, Índia e México."
"Os governos devem agir em conjunto com organizações de empregados e empregadores para garantir que todos os domiciliares - sejam tecelões de vime na Indonésia ou produtores de manteiga de carité (uma árvore que produz um tipo de de amêndoas) em Gana(...) passem da quase invisibilidade ao trabalho digno”, insiste a OIT. (Robin Millard/AFP)