Uso exagerado de eletrônicos no pós-pandemia preocupa os pais

Falta de socialização e criminosos que usam a internet para atrair jovens são os principais receios

Por Vanessa Ferranti

Especialistas recomendam aos pais acompanhar, de maneira aberta e conjunta, o que os filhos acessam na rede

Se antes da pandemia a tecnologia já estava presente no dia a dia da sociedade, durante a crise sanitária a população ficou ainda mais dependente dela -- afinal, foram praticamente três anos usando esse recurso para trabalhar, estudar, fazer compras e se comunicar. Porém, mesmo depois do retorno às atividades presenciais, muitas crianças e adolescentes não conseguiram se desconectar e têm utilizado a internet de forma exagerada, gerando preocupação aos pais.

Uma professora de Sorocaba, que prefere não se identificar, vive a experiência. O filho, um adolescente de 14 anos, precisou utilizar aparelhos eletrônicos durante toda a pandemia para estudar. Nos momentos de lazer, os jogos on-line também eram as únicas opções. Agora, o impasse da mãe é fazer com que o filho saia de casa e explore o mundo real.

“A dificuldade é fazer com que ele volte para a sociedade, que ele saia sem ficar toda hora olhando para o celular, com a necessidade de toda hora entrar no chat ou ver algum jogo. Que ele viva, que vá comigo ao cinema, que viva o cinema, porque ele fica com pressa. Ele não quer mais sair. ‘Vamos tomar um sorvete?’ ‘Não mãe, quero ficar em casa?’. Porque ali ele tem mais acesso. Então, a dificuldade agora é essa, ele acabou ficando dependente”, conta a professora.

O adolescente faz acompanhamento psicológico e a mãe também tenta conscientizá-lo por meio de conversas, porém, a grande preocupação dela, além da falta de socialização, é a violência. “Eu não permito jogos violentos e tenho medo que um adulto se passe por criança e acabe entrando em contato com ele no chat dos jogos”.

Essa situação não é difícil de ocorrer. De acordo com a Alessandra Silveira, delegada titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Sorocaba, os jogos on-line, assim como as redes sociais, são plataformas utilizadas por criminosos para atrair crianças e adolescentes com a finalidade de aliciar os menores para atos libidinosos. Muitas vezes, eles induzem as vítimas a se exibirem nas câmeras e enviarem “nudes” (fotos sem roupas) para depois cometerem ameaças.

A delegada ressalta, ainda, que há situações em que a criança inicia a conversa por pensar que é apenas um “amiguinho”, já que muitos utilizam a tecnologia a seu favor. “[...]Normalmente eles começam em plataformas de jogos on-line, daqui a pouco pedem WhatsApp. Infelizmente, temos muitos casos, porque a criança não tem malícia. Então, às vezes, ela concorda porque acha que vai ganhar seguidores fazendo isso. As vezes a pessoa oferece alguma coisa. Tivemos situações de pessoas que ofereceram dinheiro, depositaram em conta de cantina de escola para convencer a criança”, informou.

A orientação da delegada aos pais é conversar e sempre acompanhar o que a criança e o adolescente estão tendo acesso na internet. No caso de qualquer suspeita, os responsáveis devem procurar, imediatamente, uma delegacia. “É importante que faça a denúncia, porque sem isso nós não temos como fazer uma investigação, como localizar esses abusadores e depois, judicialmente, dar uma punição. Então, teve o desconforto? Procure uma delegacia, faça o boletim de ocorrência, faça o disque-denúncia. Chegou o disque-denúncia, nós vamos atrás para ver”.

Dilema

Diante desse cenário preocupante, muitos pais se vêem diante de um dilema: acessar o celular do filho ou dar privacidade? Para Ana Laura Schliemann, doutora em psicologia e professora na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), Campus Sorocaba, invasão de privacidade, nesse contexto, é quando o pai não comunica ao filho que irá monitorar o celular.

Dessa forma, o ideal é que haja conversas e ambos tenham acesso ao conteúdo do aparelho da criança ou adolescente em conjunto. “‘Você é menor, você é uma criança, eu sou responsável por você, então, por gentileza, você me dê a senha, nós vamos eventualmente abrir juntos o seu celular’. Eu acho que invasão de privacidade é quando você vai lá e olha escondido, sem a pessoa saber. ‘Vamos sentar aqui, e vamos olhar, vamos ver juntos’”, aconselha a psicóloga sobre a abordagem dos pais em relação aos filhos.

A profissional informa, ainda, que antes dos 12, 13 anos, o ser humano não conhece duas coisas: previsão e consequência. Dessa forma, a criança não prevê e previne situações e não entende as consequências sobre as tomadas de decisões. Por isso, o diálogo é extremamente importante, no entanto, é preciso ter cuidado, também, para não expor os filhos.

“Os pais devem sim fazer isso (ter acesso as plataformas digitais) junto com a criança, porque assim eles conseguem olhar e é uma forma de crescimento mútuo. O que na minha opinião é errado, é quando isso é feito na frente de outros irmãos ou quando o filho dá a senha para o pai e, de repente, o pai partilha com outro filho. Ou conta, por exemplo, na mesa de domingo, o que está acontecendo. Isso é muito inadequado”, enfatiza Ana Laura.

Aprendizados

Quem também teve problemas com o uso de aparelhos eletrônicos em casa foi Larissa Moreira Martines. A enfermeira acupunturista, de 34 anos, é mãe de um casal de 13 e 9 anos. Larissa conta que ela e o esposo postergaram o máximo que puderam o acesso aos computadores, tablets e celulares, porém, como o mundo se tornou digital, as crianças precisaram utilizar as ferramentas, principalmente por conta das atividades escolares.

Contudo, quando a vida retornava ao “normal”, os pais perceberam que os irmãos haviam se distanciado e muitas brigas começaram a ocorrer. Dessa forma, foi necessário interromper o uso dos aparelhos. “Os dois ficaram sem acesso nenhum. Foram ter agora, novamente, porque a escola começou a solicitar‘, informou Larissa.

Atualmente, as crianças utilizam o aparelho somente para o necessário. A ideia dos pais é incentivar o contato dos filhos com a natureza e estimular a criatividade da dupla através de brincadeiras. “Eu e meu esposo fomos criados em casa de avó em férias, brincadeira na rua, então a nossa ideia de criação das crianças foi que quanto mais distante eles ficassem dos meios digitais, seria mais saudável, emocionalmente e fisicamente”, declarou a mãe.

Para a enfermeira, a decisão do casal parte da preocupação dos filhos perderem a essência enquanto crianças. “Aqui em casa temos o hábito de fazermos visitas em cidades bem carentes e, às vezes, não pega celular. Então, é o que passo para as crianças: o estar presente em qualquer que seja a situação é muito válido e tem um significado emocional muito amplo na vida de todo mundo. Então, quando vamos para esses lugares, é brincar de boneca, jogar bola e usar a criatividade”, completou Larissa.