Projeto de lei que acaba com ’saidinha’ de presos está parado no Senado
Vários crimes violentos foram cometidos por detentos que receberam o benefício neste fim de ano
Um projeto de lei que tramita no Senado prevê o fim das ’saidinhas’ temporárias de presos em datas comemorativas, hoje permitidas pela Lei de Execução Penal. O modelo divide opiniões entre especialistas. Parte defende a manutenção da lei, com aperfeiçoamento nos critérios de concessão; outros dizem que a saída temporária traz riscos de mais crimes.
Neste fim de semana, um sargento da Polícia Militar foi morto a tiros em Belo Horizonte, durante perseguição a criminosos. O suspeito era um detento, que obteve o direito da saída temporária e estava no regime semiaberto.
Já no Rio, após o feriado do réveillon, três chefes do tráfico de drogas não voltaram para a cadeia após saírem para o feriado.
O benefício é concedido a presos do regime semiaberto que apresentam bom comportamento. O PL 2.253, que extingue a medida, foi aprovado pela Câmara em agosto de 2022 e está na Comissão de Segurança Pública do Senado.
O texto aprovado pela Câmara é o substitutivo do relator, o então deputado Capitão Derrite (PL-SP) e hoje secretário da Segurança Pública em São Paulo. Ele alterou a proposta inicial que limitava as saídas, para abolir completamente o benefício.
Na comissão de Segurança, houve pedido de vista do senador Fabiano Contarato (PT-ES). Ele afirma que precisa analisar melhor o projeto antes da votação. Com o recesso parlamentar, iniciado em 23 de dezembro, a tramitação está parada. Defensores da saída temporária afirmam que ela é importante para a ressocialização do detento e faz parte do processo de progressão de regime no cumprimento da pena.
A lei atual permite que presos de bom comportamento do regime semiaberto (com menor tempo de pena a cumprir) deixem a prisão para visitar os familiares durante feriados, frequentar cursos e exercer atividades de trabalho.
A autorização é dada aos detentos que tenham cumprido ao menos um sexto da pena, no caso de primeira condenação, e um quarto, quando reincidentes. As ’saidinhas’ acontecem até cinco vezes por ano e não podem ultrapassar o período de sete dias.
Os críticos da medida afirmam que parte dos condenados aproveita a saída temporária para cometer novos crimes. Derrite disse nas redes sociais no sábado, 6, que o benefício é ‘absurdo‘, referindo-se à morte do policial mineiro. ‘A saída temporária já apresentou diversas provas de que é maléfica para a sociedade, mas dessa vez um policial morreu nas mãos de um criminoso que deveria estar atrás das grades, mas estava solto por conta desse benefício que alguns ainda defendem‘, escreveu.
O projeto que está no Senado prevê também a exigência de exames criminológicos para progressão de regime penal e o monitoramento eletrônico obrigatório dos detentos que passam para os regimes semiaberto e aberto - este último prevê o cumprimento do restante da pena fora da prisão. Em dezembro, o Conselho Nacional dos Secretários de Justiça (Consej) enviou ofício ao relator do PL, senador Sérgio Petecão (PSD-AC) pedindo mais prazo para apresentar nota técnica sobre o tema. ‘Dada a complexidade inerente ao objeto deste Projeto de Lei, solicitamos que a Comissão de Segurança Pública do Senado considere postergar a discussão até após o recesso parlamentar (1º de fevereiro)‘, aponta o documento. O governo federal também demonstrou interesse em aprofundar as discussões sobre o tema. O representante do Conselho de Polícia Criminal e Penitenciária do Ministério de Justiça e Segurança Pública, Alexander Barroso, defendeu a inclusão de mais órgãos públicos nos debates, entre eles o Ministério Público Federal, o Judiciário e a Defensoria Pública.
Flávio Bolsonaro é relator do PL
A proposta aprovada pela Câmara está desde março de 2023 sob a relatoria do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Em seu relatório, o senador afirmou que a superlotação e a precariedade das instalações do sistema carcerário prejudicam a ressocialização adequada dos presos e, ao se permitir que os presidiários se beneficiem das saídas temporárias, o poder público coloca em risco toda a população.
O senador Jorge Kajuru (PSB-GO) apresentou emenda substitutiva ao projeto, defendendo a manutenção das saídas temporárias, por permitir ao preso a reinserção social e contribuir para a redução da reincidência. Para ele, o projeto original falha ao conferir o mesmo tratamento ao condenado primário, de bom comportamento, e ao reincidente. A emenda substitutiva não foi acatada pelo relator.
Alguns secretários de segurança pública pressionam os parlamentares para derrubar logo a ’saidinha’. No último dia 4, a pasta paulista comandada por Derrite divulgou a prisão de 712 detentos por descumprimento às regras previstas em lei para permanecer nas ruas no período de 23 de dezembro a 3 de janeiro. Destes, 81 foram presos após serem flagrados cometendo algum tipo de crime, segundo a nota da secretaria.
Os críticos das ’saidinhas’ destacam os crimes violentos praticados por detentos para argumentar a favor da proibição. No caso de Minas, o sargento Roger Dias da Cunha participava de uma perseguição policial na zona norte de BH, quando foi baleado pelo suspeito, identificado como Welbert de Souza Fagundes, de 26 anos. O detento havia saído de um complexo penitenciário nas vésperas do Natal e não retornou. Outro suspeito que teria participado do ataque ao policial também foi preso. Ele estava em liberdade condicional, segundo a polícia.
No interior de São Paulo, um detento que estava de ’saidinha’ confessou ter matado a cozinheira Renata Teles, em um hotel de Campinas, no dia 24 de dezembro. Segundo os registros policiais, ele tinha sido condenado a 12 anos de prisão por feminicídio. Após a prisão, o homem foi levado de volta à penitenciária onde cumpria a pena, em Sorocaba.
Já no Rio, o Disque-Denúncia anunciou que três chefes do tráfico não haviam regressado da saidinha de Natal. Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária do Rio, dos 1.785 presos que receberam o benefício da Justiça para a visita à família em dezembro, 255 evadiram e outros cinco receberam alvará de soltura durante esse período. (Estadão Conteúdo)