Justiça pode proibir citação de Deus em sessão legislativa
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) julgará neste ano um pedido da Procuradoria-Geral de Justiça para retirar referências religiosas do começo das sessões da Câmara Municipal de São José do Rio Preto, no interior do Estado. De acordo com o regimento interno da Casa Legislativa, o presidente da Câmara deve dizer, antes das sessões: ‘Sob a proteção de Deus iniciamos nossos trabalhos‘. No entendimento da Procuradoria-Geral de Justiça, trata-se de uma prática inconstitucional.
Documento assinado pelo procurador-geral de Justiça, Mario Luiz Sarrubbo, que deve deixar o cargo para ocupar um posto no Ministério da Justiça, registra que ‘a expressão prevista no preceito impugnado da Câmara Municipal de São José do Rio Preto é inconstitucional‘. Destaca, ainda, que ‘o Estado brasileiro é laico e garante a pluralidade de crenças‘. O presidente da Câmara Municipal, vereador Paulo Pauléra (PP), disse, no entanto, que a Casa continuará na briga para manter a frase inicial das sessões, como ocorre, segundo Pauléra, desde a década de 1960.
Exclusividade religiosa
O procurador-geral afirma no documento que, ao invocar Deus nas sessões - o que é comum em diversas Câmaras pelo Brasil -, o Poder Legislativo cria uma exclusividade religiosa aos cristãos e deixa de fora muçulmanos, por exemplo. ‘Não compete ao Poder Legislativo municipal criar preferência por determinada religião - como o faz pela invocação a Deus para iniciar a sessão legislativa na Câmara - voltada exclusivamente aos seguidores dos princípios cristãos, alijando outras crenças presentes tradicionalmente no tecido social brasileiro como a judaica, a muçulmana, etc, bem como de outras que não ostentem essa percolação, justamente à vista da laicidade do Estado brasileiro‘, afirmou Sarrubbo.
No dia 12 de dezembro de 2023, o desembargador Ricardo Dip, que é relator do caso, enviou solicitação à Câmara de São José do Rio Preto para prestar informações sobre o assunto. O presidente da Câmara, Paulo Pauléra, foi notificado no dia 20 daquele mês. Após as contrarrazões do Poder Legislativo, o processo seguirá rito para julgamento.
Casos
Esta não é a primeira vez que o Ministério Público aciona uma Câmara Municipal solicitando a retirada de citações religiosas. Desde 2019, pelo menos outras seis cidades paulistas foram levadas à Justiça pelo mesmo motivo - São Carlos, Araraquara, Itapecerica da Serra, Taquaritinga, Araçatuba e Catanduva.
Em novembro de 2023, o Tribunal de Justiça acolheu pedido do Ministério Público e, por unanimidade, os desembargadores do Órgão Especial do TJ paulista declararam inconstitucional uma regra da Câmara Municipal de Araraquara que previa a leitura obrigatória de versículos bíblicos no início de cada sessão parlamentar, além da permanência de um exemplar da Bíblia aberta durante os trabalhos.
Os magistrados viram ‘ofensa aos princípios constitucionais da isonomia e do interesse público aplicáveis à administração pública‘.
A Câmara Municipal da cidade começou a cumprir a decisão em sessão do fim do ano passado, imediatamente após receber a notificação sobre o resultado da sentença. Nas palavras do presidente do Legislativo, vereador Paulo Landim (PT): ‘Decisão da Justiça cumpre-se. Vamos analisar se cabe recurso, porém, ela já está sendo cumprida‘.
Alcance
A ação de autoria da Procuradoria do Ministério Público deve alcançar todos os municípios do Estado. São Carlos, cidade próxima, também foi acionada e deixou de fazer a leitura desde o mês de junho do ano passado.
Em maio, foi a vez de a Câmara de Araçatuba ser julgada pelo Tribunal de Justiça. No caso, foi considerado inconstitucional o presidente da Casa dizer antes das sessões: ‘Sob a proteção de Deus iniciamos nossos trabalhos‘. A decisão ainda proibiu que um vereador fizesse leitura de trecho bíblico por até três minutos
No entendimento do desembargador Tarcísio Ferreira Vianna Cotrim, ‘o município de Araçatuba, por se tratar de um ente público integrante de Estado laico, não pode manifestar filiação a determinada religião em detrimento das inúmeras outras existentes sob pena de tolher de seus cidadãos o direito e a liberdade de escolher a orientação religiosa que melhor lhes aprouver ou mesmo de optar por se abster de professar qualquer tipo de crença‘.
Para Viana Cotrim, a Câmara de Araçatuba violou o artigo 5.º da Constituição, que versa sobre igualdade entre todas as pessoas do Brasil - sem distinção de qualquer natureza.
Tradição
O presidente da Câmara de São José do Rio Preto, Paulo Pauléra, disse à reportagem que não vê problema na frase ser citada ao iniciar as sessões da Casa. Para o vereador do PP, o corpo jurídico do Poder Legislativo brigará até com o Supremo Tribunal Federal (STF), se for necessário, para manter ‘a tradição‘.
‘A frase está na Câmara, se não me falhe a memória, desde 1960, e existe em quase todos os municípios do Brasil. O que a gente podia fazer, é o que fizemos. Contestamos juridicamente. Em um primeiro momento, o Ministério Público em Rio Preto foi favorável a continuar (com a frase religiosa nas sessões). Agora, tivemos procurador contrário. Então, vamos brigar na Justiça até as últimas instâncias para poder manter essa tradição, que, no nosso entendimento, não cria nenhum problema‘, afirmou o presidente da Câmara de Rio Preto. (Estadão Conteúdo)