Deflação na China derruba preços no Brasil
Os produtos da China, que já são normalmente competitivos, ficaram ainda mais baratos, dificultando aumentos de preços dos concorrentes mundo afora
Os produtos da China, que já são normalmente competitivos, ficaram ainda mais baratos, dificultando aumentos de preços dos concorrentes mundo afora. No Brasil, a situação não é diferente. A China tornou-se uma força adicional à tendência de queda da inflação de bens de consumo, somando-se aos efeitos do crédito caro na demanda, do comportamento mais estável do câmbio e da normalização da oferta após a superação de gargalos de produção.
Conforme conta da Warren Investimentos, a inflação de bens industriais -- um grupo que abrange produtos duráveis e semiduráveis, além de materiais de construção -- ficou em 1,09% em 2023, a menor taxa em cinco anos, sendo que os preços chegaram a cair, ou seja, marcaram deflação, em junho (-0,57%), setembro (-0,20%) e novembro (-0,54%).
Ficaram mais barato, ao longo do ano passado, eletrodomésticos como geladeira, máquina de lavar roupa e tevê, aparelhos eletrônicos como videogame e computador pessoal, e alguns itens de vestuário, como vestido e roupa infantil, além de pneus e bicicletas.
Comportamento
Segundo Andréa Angelo, economista da Warren, o comportamento dos preços de bens é muito benigno e está relacionado, principalmente a câmbio e inflação externa. “A tendência de curto prazo é que a inflação de bens continue desacelerando”, prevê a economista.
A China influencia o comportamento da inflação não apenas pela concorrência direta dos produtos finais que estão nas prateleiras das lojas, ou que podem ser importados diretamente nas plataformas de comércio eletrônico estrangeiras. O país é também um grande fornecedor de insumos usados por diversas indústrias, como peças de smartphones, componentes eletrônicos e aço. Preços mais baixos da China ajudam, assim, a aliviar o custo dos produtos nacionais.
Os produtos industriais acabados ou intermediários respondem por praticamente tudo o que o Brasil importa da China. No último ano, os preços cobrados pelos produtores (PPI, na sigla em inglês) caíram na China 3%, após a inflação de 4,1% de 2022. Por trás desse dado estão as dificuldades tanto internas quanto externas da indústria chinesa. No mercado doméstico, a recuperação do consumo pós-pandemia não acontece como esperado, refletindo a cautela associada à queda nos preços dos imóveis, que faz os chineses preferirem poupar a consumir.
Já no exterior, o país perde vendas em seus principais destinos comerciais -- entre eles, Estados Unidos, Japão e Alemanha --, em razão do esfriamento do comércio pelos juros mais altos e pela substituição da China por outros parceiros nos movimentos de nearshoring -- isto é, a busca por fornecedores geograficamente mais próximos -- e friendshoring -- ou seja, a troca por aliados geopolíticos.
Mesmo com o relaxamento das rígidas restrições da política de Covid zero, a China não conseguiu mais repetir o aproveitamento da capacidade industrial de antes. O excesso de capacidade na indústria de transformação, que três anos antes estava em 21,6%, chegou a 24% na última leitura, referente ao quarto trimestre de 2023.
“Exportar deflação”
A China passou, assim, a “exportar deflação”, contribuindo aos bancos centrais do resto do mundo no controle da inflação. A ajuda chinesa vale ainda mais para as economias emergentes, onde os bens têm, na comparação com os países ricos, um peso maior nos índices de inflação.
Economistas consultados entendem, porém, que a contribuição chinesa nos próximos passos das autoridades monetárias será limitada. Em outras palavras, não deve ser determinante para acelerar cortes de juros, em economias como o Brasil, ou para antecipar o início de ciclo de flexibilização monetária nos EUA e na Europa. Essa expectativa tem como base o foco dos bancos centrais na inflação de serviços, mais resiliente e cujo comportamento é mais determinado por variáveis domésticas.
Para Bruno Serra, ex-diretor de Política Monetária do Banco Central e atual gestor dos fundos Janeiro da Itaú Asset, a China terá participação relevante em manter a inflação de bens industriais baixa e ajudar na desinflação geral ao longo deste e do próximo ano. Não será razão suficiente, porém, para levar a cortes mais agressivos da Selic, já que o consumo das famílias continua surpreendendo no Brasil, embalado pelo mercado de trabalho aquecido.
“Requer cuidado o impacto disso [consumo] sobre a inflação de serviços, onde começamos a ver alguns primeiros sinais de que a desinflação chegou ao fim. Precisamos da desinflação de bens vinda da China mais um câmbio comportado para poder atingir cuidadosamente a expectativa do mercado para a Selic, entre 9% e 9,5%”, comenta Serra.
Segundo Robert Sockin, economista global do Citi, a queda brusca nos preços dos produtos exportados pela China vem contribuindo para a desinflação global de bens, que já vinha acontecendo pela migração dos gastos ao consumo, junto com a normalização das cadeias de produção. “Enquanto as pressões inflacionárias dentro da China continuarem suaves, a economia chinesa provavelmente continuará contribuindo à pressão baixista dos preços globais de bens”.
No entanto, emenda Sockin, ainda que seja aliada do resto do mundo na convergência da inflação às metas perseguidas pelos bancos centrais, é improvável que a China guie o ciclo monetário global. “Os bancos centrais estão menos focados nos preços dos bens porque eles já estão amplamente normalizados”, comenta Sockin.
Menor impacto
O gigante asiático também vem se tornando menos influente na dinâmica de preços nas economias desenvolvidas, na medida em que os países ricos descentralizam suas fontes de fornecimento para reduzir a dependência da China.
Os economistas não ignoram que movimentos como nearshoring e friendshoring também têm efeitos desinflacionários, por levarem a um aumento de oferta global pela duplicação de cadeias em setores importantes - isto é, a produção em novos mercados de produtos que continuarão sendo feitos pela China. (Estadão Conteúdo)