Igreja Argentina faz mea culpa 40 anos após fim da ditadura

Por Cruzeiro do Sul

Membros da Conferência Episcopal (CEA) falam sobre resultado da investigação

Dois volumes de quase mil páginas cada e um terceiro em processo de edição constituem a volumosa investigação da Igreja Católica argentina sobre suas ações durante a última ditadura (1976-1983), um mea culpa que dedica à memória das vítimas. “Queremos conhecer a verdade histórica e pedir perdão a Deus, à comunidade argentina e às vítimas da violência”, afirmam os membros da Conferência Episcopal (CEA) na introdução do livro. “Estamos cientes de que em muitas decisões, ações e omissões a CEA não esteve à altura das circunstâncias”, acrescentam.

A obra, que também cobre a violenta década anterior ao golpe de 24 de março de 1976, é publicada quando a Argentina comemora 40 anos do retorno à democracia. Mostra desde o apoio inicial da hierarquia eclesiástica à junta militar até as tentativas de socorrer as vítimas e o próprio “martírio” de bispos, padres e freiras assassinados.

Intitulada “A verdade os fará livres”, em tradução livre, a investigação foi realizada pela Universidade Católica Argentina ao longo de cinco anos, a pedido da Conferência Episcopal, que disponibilizou seus arquivos. Os autores Carlos Galli, Juan Durán, Luis Liberti e Federico Tavelli também usaram arquivos da Companhia de Jesus, da Nunciatura Apostólica e da Santa Sé.

Dor presente

“Com este livro demos um início que pode gerar frutos. Há informações de que capelães e freiras participaram de desaparecimentos de pessoas e apropriações de bebês. Mas não são informações institucionais encontradas nos arquivos. Pensamos que se a Igreja diz que não devemos ter medo do passado, isso pode motivar aqueles que sabem vir até nós, mesmo anonimamente. A dor não é só do passado, mas persiste no presente”, disse Federico Tavelli. Até agora, mais de 300 julgamentos foram realizados na Argentina pelos crimes da ditadura e há mais de 1.100 condenados.

Para Carlos Galli, esse trabalho era uma tarefa pendente. “Já sofri na década de 1970 por saudades de parentes, amigos e colegas, não sofri agora fazendo o livro. O que senti agora foi responsabilidade”, disse.

Durante a ditadura argentina, milhares de pessoas foram levadas para prisões clandestinas, torturadas, assassinadas ou desapareceram. Centenas de bebês nascidos em cativeiro foram separados de suas mães e entregues ilegalmente a outras famílias. O livro analisa as ações que a Igreja teve em resposta a esses crimes e também lista seus membros que foram vítimas. (AFP)