As ironias do tempo

Por

Nelson Fonseca Neto - nelsonfonsecanetoletraviva@gmail.com

Sou professor há vinte anos. Parece que faz menos tempo. De vez em quando surge uma situação para lembrar da marcha feroz do tempo. Uma dessas situações se deu na semana passada.

Antes de começar a aula, ouvi alguns alunos comentando sobre o “Big Brother Brasil” (BBB). Achei curioso. Fazia um tempão que eu não ouvia o pessoal falando sobre o programa em sala de aula. O início da minha carreira coincidiu com o surgimento do BBB por aqui. No começo dos anos 2000, era um inferno entrar numa sala de aula. Só se falava em BBB.

Depois a coisa foi murchando. Foram vários anos de escassez de comentários na classe. Achei que a Globo eliminaria o programa da sua grade. Ingenuamente, eu acreditava que os comentários em sala de aula funcionavam como bom termômetro. O BBB aguentou firme e forte.

Alguns alunos perguntaram se estou acompanhando o programa. Respondi que não. Eu tenho certeza de que você, neste momento, está pensando que a minha resposta foi acompanhada de críticas severas à futilidade do mundo contemporâneo. Se você acha que foi assim, quebrou a cara. Faz tempo que passei da fase messiânica.

Não vejo o BBB porque temos uma criança pequena em casa. Não dá tempo de acompanhar o programa. O tempo ocioso é empregado de outras formas. Agora, se você emprega o seu tempo ocioso vendo BBB, sem problemas. Eu já disse aqui que adoro besteiras. Já tive a fase de ver o programa do João Kleber.

Eu não vejo BBB, mas alguma coisa sempre acaba chegando por conta dos sites. Por exemplo, leio o UOL. Vou rolando as manchetes. Lá pelas tantas, surgem as notícias do BBB. Não entro pra ver. Não adiantaria nada. Não sei quem são as pessoas que participam do programa. O que dá pra saber, pelas manchetes, é que o pessoal, neste ano, briga bastante. A gente gosta de uma treta.

Os comentários sobre o BBB deste ano em sala de aula serviram de gatilho para outras lembranças do início da minha carreira. No início dos anos 2000, eu só me via dando aula de literatura ou de redação. Gramática, jamais. Naquela época, se alguém dissesse que eu daria aula de gramática em 2021, eu soltaria uma gargalhada nervosa.

É que, naqueles tempos, eu via a gramática como o território da aridez. Tudo era mais colorido e desafiador nos mundos da literatura e da redação. Eu achava que a gramática era para os bitolados. Vão sentindo o drama. Eu já disse aqui: eu era uma mala aos vinte e pouco anos.

Seria exagerado dizer que o jogo virou de lá pra cá e que hoje eu abomino a literatura e a redação. Claro que não é assim. O que aconteceu foi menos dramático. Ao longo dos últimos anos, fui gostando de dar aula de gramática. Será que tem a ver com o envelhecimento? Pode ser. Há quem diga que a gente vai ficando mais espartano com o passar dos anos. Mais depurado, sei lá.

Que fique bem claro: abomino o estereótipo de professor de gramática ranheta e caçador de desvios. Faço questão de dizer aos meus alunos que conhecer o funcionamento da norma-padrão não é sinal de inteligência ou de caráter. Simplesmente a pessoa estudou as regras. O resto é empáfia.

O que defendo é o seguinte: dá pra estudar o funcionamento de uma língua e ter jogo de cintura ao mesmo tempo. Você não precisa bancar o deslumbrado e sair por aí corrigindo as pessoas. Você pode saber a diferença entre orações coordenadas e subordinadas sem perder a ternura. Você pode ver BBB e saber como funcionam os verbos impessoais. Você pode bater um lanchão e saber o que é o verbo no presente histórico.

Estudar gramática pode ser o maior barato. Ver BBB, também. Sei lá.