Dois bebês (final)
Nelson Fonseca Neto - nelsonfonsecanetoletraviva@gmail.com
João A., sua mãe e seu pai deixaram, de carro, a maternidade.
João B. e sua mãe deixaram, de ônibus, a maternidade.
Fazia calor naquele dia. Janeiro é um mês complicado.
Entrava um ventinho gostoso no carro que levava João A. Estava um sufoco no ônibus que levava João B.
O pai de João A. dirigia o carro na ponta dos dedos. Freava com suavidade. Ria à toa. O bebê dormia o sono dos justos.
O motorista do ônibus que levava João B. não estava num bom dia. Não havia dormido por conta da chuva forte que alagou, na noite anterior, a casa onde morava com a esposa e três filhos. Vários eletrodomésticos foram danificados irremediavelmente. Foi uma agonia esperar o nível da água baixar. De manhãzinha, o cheiro insuportável tomava conta de tudo. Impossível faltar do trabalho. O mar não estava pra peixe. O trânsito estava um horror. O ônibus que dirigia levou uma fechada de um motorista folgado. Não tem jeito: o motorista do ônibus que levava João B. e sua mãe tinha que descontar em algo ou alguém. As freadas eram raivosas. Isso deixou a mãe de João B. agoniada. Isso deixou João B. irritado. Era um choro sem fim.
Chegando em casa, num trajeto de menos de dez minutos, João A. foi colocado mansamente no bercinho. A mãe de João A. colocou uma música ambiente das mais aconchegantes. Parece mentira, mas João A. esboçou uns sorrisinhos.
Chegando em casa, num trajeto de quase uma hora e meia, João B. esperneava enquanto era colocado no colchãozinho que ficava ao lado da cama da mãe. A casa estava sem energia elétrica. Isso sempre acontecia naquelas redondezas. Então não teve musiquinha ambiente das mais aconchegantes para João B. Não houve sombra de sorrisinho.
Os dias passaram velozes para João A. e João B.
As madrugadas eram surpreendentemente calmas na casa de João A. Seus pais tinham ouvido por aí que as primeiras semanas de um bebê são um teste de paciência e resignação para os pais. Ouviram dizer que um bebê pode acordar de duas em duas horas. Tirando uma madrugada ou outra -- culpa de umas cólicas bem mixurucas --, João A. dormia várias horas em seguida.
As madrugadas eram um pesadelo na casa de João B. O nenê urrava de fome. O nenê urrava de cólica. O nenê urrava por causa das picadas dos pernilongos. Fazia um calor insuportável. A mãe de João B. vivia numa espécie de bruma. A privação de sono faz dessas coisas.
O pai de João A. obteve a licença paternidade prevista em lei. Ficou uma semana em casa com a mãe e o bebê. Quando voltou ao trabalho, recebia vídeos fofinhos que mostrava João A. fazendo as mais diversas estripulias. Aquilo aquecia o coração. A mãe de João A. ainda teria alguns meses de licença.
O pai de João B. abandonou tudo logo que soube da gravidez da mãe de João B. A mãe de João B. vivia nos meandros da economia informal. Um dia sem trabalho era um dia sem ganhar dinheiro. Ela já estava no batente, capengando, no quarto dia. João B. ficaria sob os cuidados de uma vizinha meio lelé. Não há vídeos fofinhos registrando a existência de João B.
Uma semana depois do nascimento de João A. e de João B., eles tiveram de voltar a um local próximo à maternidade. Era o necessário exame do pezinho. João A. chegou no carrinho estiloso que era conduzido pelos pais risonhos e francos. João B. e sua mãe enfrentaram uma exaustiva jornada de ônibus. Naquele dia, fazia um frio atípico. As janelas do ônibus estavam fechadas e os passageiros tossiam de dar dó.
Na sala de espera do exame do pezinho, João A. e João B. encontraram-se pela última vez. Os pais de João A. tinham noção do mundo ao redor e notaram a precariedade daquele nenezinho abraçado àquela mãe esgotada. Os dois ficaram com um nó na garganta. A mãe de João B. não tinha forças para observações comovidas.
O Brasil é triste demais.