No meu tempo

Por

Nelson Fonseca Neto -- nelsonfonsecanetoletraviva@gmail.com

Passei anos abominando a expressão “no meu tempo”. Quem começava a falar usando a dita cuja sempre vinha com imagens róseas do passado. Na verdade, era uma edição bem passional. O que não prestava não era mencionado. Sobravam as maravilhas da vida.

Sempre jurei a mim mesmo que eu não faria parte dos nostálgicos. É que eu sou professor e não gostaria de colocar uma carga pesada demais nos ombros dos meus alunos. Quando a gente floreia o passado, é sinal de que o presente vai mal. Aí, é um passinho de nada para dizer que todas as desgraças são de responsabilidade dos mais novos. O que, convenhamos, é uma tremenda sacanagem.

Mas a gente está nesta vida para quebrar promessas. Perto de completar 41 anos, fui tomado pela mania de comparar o passado com o presente. Tenho usado com frequência as terríveis palavras “no meu tempo”. Que os leitores e leitoras desta coluna perdoem o que virá a seguir.

No meu tempo, o jornal era bem mais recheado. O jornal de domingo, então, nem se fala. Eu ia à banca para comprar os principais jornais do país. Eu passava o dia todo lendo reportagens, ensaios, resenhas, matérias especiais. É que no meu tempo o jornal de domingo me ajudava a interpretar os fatos da semana. No meu tempo, vários craques eram encontrados nas edições de domingo.

Hoje, o jornal emagreceu. Não sou administrador e não vou entrar no mérito dos custos e da diminuição no número de assinantes. Não deve ser nada fácil manter um jornal nos dias de hoje. A concorrência com a internet é braba. Os leitores querem, na maioria das vezes, agilidade. O texto deve ser curto. O que conta é a informação em estado mais bruto. Espaço mínimo para análises aprofundadas. Isso é considerado perda de tempo. Depois fica difícil reclamar de como somos reféns de falcatruas na informação. E vai piorar. Muita gente viciou nas performances bombásticas, nas bravatas, nas palavras fervilhantes. Vale tudo para chamar a atenção do cidadão temperamental.

No meu tempo, a novela das 9 parava o Brasil. Hoje, bem menos gente assiste. Dá para entender. No meu tempo, antes da TV a cabo, os canais não chegavam a dez. Ainda fico surpreso com o número de canais à disposição na minha assinatura de TV. Tudo bem que a maioria eu ignoro sem peso na consciência. Vai ver que as novelas também pioraram. Vai ver, não. Pioraram mesmo. Eu sei muito bem que a ficção é o terreno da liberdade, mas tem roteirista que exagera. Existe um negócio crucial chamado “verossimilhança”: não precisa ser verdade, mas precisa parecer com a verdade, ser convincente. A atual novela das 9 parece ignorar tal lei. Uma mulher de quase cinquenta anos é mãe de uma filha de quase quarenta. Mesmo os mais distraídos percebem o buraco. As novelas também pioraram no quesito “ritmo”. Não adianta colocar músicas mais frenéticas se a narrativa se arrasta. Façam o teste. Fiquem uma semana sem ver a novela. Vocês constatarão que perderam muito pouco. Depois, revejam alguns capítulos de “Vale Tudo”, um dos marcos da televisão brasileira. Tudo ali é mais compacto. O nome disso é musculatura.

No meu tempo, era mais fácil encontrar livrarias que ficavam na rua, e não num shopping. Hoje isso está acabando. Daqui alguns anos, o cenário será pior. Vai ser difícil encontrar livraria até no shopping. É que hoje, para muitos, o leitor é um bicho cada vez mais exótico. Já dá para ouvir a gritaria contra quem lê. O leitor fervoroso tem sido visto como moroso, bobão, incapaz. Isso nunca termina bem. Nunca.

No meu tempo, a gente conversava bem mais com o porteiro do prédio. Hoje ele fica isolado numa cabine com vidro fumê. Isso quando ainda tem porteiro. Hoje, muitos prédios estão tirando os porteiros de circulação. Há quem acredite que a portaria eletrônica tenha vindo para ficar. Nunca trabalhei com administração de condomínio. O que estou dizendo aqui tem mais a ver com nostalgia mesmo. Era bom ser amigo dos porteiros. Tive a sorte de conhecer figuras espetaculares.

E assim as coisas caminham. Pioraram aqui, melhoraram ali. Foi bom ter escrito este texto. Minha nostalgia está passando. Precisa passar. Mofo nunca é bom.