Entre a China e a Rússia: a política externa de Biden
Artigo escrito por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro
Não é somente com a China que o presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Joe Biden, enfrenta problemas. As relações com a Rússia também se encontram em uma fase delicada. Em sua primeira viagem internacional oficial, Biden prioriza a Europa, e em seu roteiro está prevista também uma cúpula em Genebra, com o presidente da Rússia, Vladimir Putin. Na Inglaterra, Biden participou do encontro dos líderes mundiais na Cúpula do G7 (EUA, Canadá, Reino Unido, Alemanha, França, Itália e Japão), fato que tornou visível o abismo que separa os países em desenvolvimento que ainda tentam enfrentar a pandemia da Covid-19, enquanto no Norte é evidenciada uma situação bastante próxima da normalidade. O encontro do G7 não trouxe posições convergentes acerca da China, pois seus próprios integrantes possuem estratégias diferentes para lidar com essa potência.
A pandemia tornou clara a ascensão da China como potência e o declínio de importância do Brasil em uma atípica política externa do ponto de vista histórico, em que a inserção internacional sempre havia sido admirada pelos seus pares. Além de um completo descompasso com a política externa adotada na primeira década do século 21, quando o País ascendeu como um dos BRICs (Brasil, Rússia, China e África do Sul), e o País exercia um impressionante protagonismo multilateral. Se houvesse uma política externa bem orquestrada no Brasil, poderia ser um mecanismo de diálogo entre dois regimes antidemocráticos como a China e a Rússia.
Não obstante a posição do Brasil como um dos BRICs, o País deixou de ser considerado uma potência emergente. Para a sociedade internacional, o grande tema se tornou a relação EUA-China, além das divergências na abordagem com um Estado ainda pouco conhecido sob vários aspectos como a China. Deve-se lembrar que em março, Biden perguntou como a pandemia causada pelo Sars CoV-2 havia se iniciado, no entanto não obteve resposta. No dia 26 de maio, o presidente estadunidense voltou a questionar, entretanto de forma pública acompanhado de um pedido de relatório com prazo de 90 dias para conclusão. Esse assunto ainda permanece uma incógnita com diferentes versões transitando simultaneamente.
A presidência de Biden traz uma certa previsibilidade, pois justamente um dos pontos criticados por Putin é a sua atuação que perpetua o “establishment” da grande política dos EUA. As declarações de Biden sobre a tentativa de assassinato de Putin aos seus oponentes foram obviamente mal recebidas pelo líder russo. Os ataques cibernéticos direcionados para empresas, órgãos e setores dos EUA foram divulgados como sendo de possível autoria de hackers russos, no entanto nenhum dos crimes foi confirmado por Putin. O tema da transferência de tecnologia de satélites russos para o Irã ainda é tabu nas conversas. Sem embargo, a intenção de Biden em promover um encontro oficial com Putin para dialogar sobre temas recentes da política mundial demonstra estratégia para pensar no posicionamento em uma diversidade de temáticas e nas relações com a China.
A Suíça, por não ser membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), sendo um Estado neutro, deve ser considerada como uma importante opção escolhida para o encontro. Após o resultado polêmicos das eleições de 2016, com a vitória do presidente Donald Trump, eleito pelo partido Republicado, a reunião de cúpula, nesta quarta-feira (16), dimensionará as relações com um presidente eleito pelo partido Democrata. Faz-se interessante observar que em seu livro “What Happened”, ou seja “O que aconteceu”, Hillary Rodham Clinton, relata a interferência de um invasor estrangeiro, no caso a Rússia, em uma influência direta nas eleições americanas em que foi derrotada. O relacionamento entre Putin e Trump, em que o presidente russo só relata elogios ao antecessor de Biden, demonstrava um outro tipo de interação.
Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro é professora na Universidade Federal do Pampa (Unipampa), câmpus Santana do Livramento (RS), área de Direito Internacional, e doutora pela Universidade de Leiden/Países Baixos.