Herança da escravidão
Artigo escrito por Natália Madia
Há relatos sobre a existência da Escravidão desde que o mundo é mundo. Basta olhar para várias civilizações antigas como o Egito, a China Imperial, a Babilônia, o Império Romano, os povos pré-colombianos da América, entre outros. No continente africano, não era diferente: havia a escravização dos negros por parte de seu próprio povo, também negros. Contudo, foi somente após a intervenção dos europeus na África que o tráfico negreiro tomou enormes proporções.
Os europeus, notadamente os portugueses, traficaram negros africanos para diversos lugares do mundo, inclusive para o Brasil. Para tanto, faziam a travessia pelo Oceano Atlântico em seus tenebrosos “navios negreiros” ou “tumbeiros” (tumbas flutuantes). Sabe-se que a crueldade era tamanha, que grande parte dos cativos acabavam morrendo no próprio percurso e seus corpos eram descartados no oceano.
Morria-se de várias causas, como a febre amarela, disenteria, escorbuto, varíola e também de suicídio. Escravos, tomados pelo desespero, aproveitavam a distração dos algozes e se jogavam ao mar.
Infelizmente, homens e mulheres que conseguiam sobreviver àquela provação, não tinham destino melhor ao aportarem em terras brasileiras. O fato é que seriam forçados a trabalhar em diversas atividades, como a lavoura de cana de açúcar, serviços domésticos, cultivo de algodão, tabaco, café, minas de ouro, e sofreriam todo tipo de humilhação, constrangimento, opressão, dor, castigos físicos e psicológicos, injustiças!
Em 1888, com a Lei Áurea, a Escravidão no Brasil foi extinta e os negros libertos. Porém, sem condições de se manter, de comer, de morar, eram analfabetos, sem a menor condição de eventualmente voltarem para sua terra de origem.
Com todo esse contexto decadente, tem-se como consequência o preconceito, a discriminação por conta da cor da pele, da situação econômica e social, que perdura até os dias atuais.
Com o passar do tempo e muita luta surge a Lei nº 7.716/89 (Lei do Racismo) que pune os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
A própria Constituição Federal de 1988, artigo 5º, inciso XLII, define que a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, nos termos da lei.
O Código Penal vigente, no artigo 140, parágrafo terceiro, trata da injúria racial, ou seja, injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou decoro, consistindo na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, pena de reclusão de um a três anos e multa.
Há também a Lei nº 12.288/2010, que instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade e oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e demais formas de intolerância étnica.
São leis que vieram para coibir a propagação da cultura do racismo, discriminação e preconceito. Vê-se que houve um importante avanço nesse sentido, mas não o suficiente.
Por fim, acredita-se que a estratégia mais eficaz para o combate a esse mal seja a educação, a conscientização da sociedade, a criação de políticas públicas de reparação, o conhecimento da história do Brasil e, sobretudo, da escravidão, que embora tenha acabado oficialmente há mais de um século (1888), nitidamente ainda repercute no presente, deixando como herança o racismo e a imensa desigualdade social que assola o País.
Natália Madia é advogada formada pela Faculdade de Direito de Sorocaba (Fadi), pós-graduada em Direito Processual Penal pela Universidade Potiguar e funcionária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.