Talentos dançantes
Artigo escrito por Edgard Steffen
Tanto tiempo disfrutamos de este amor
Nuestras almas se acercaron tanto asi
Que yo guardo tu sabor, pero tu levas
también sabor a mi.
(Sucesso de Eydie Gormè e Los Panchos)
Posso dizer que sou do tempo em que “Sabor a Mi” ainda não virara tempero. Os versos vieram-me à mente com a leitura de artigo especial para o Estadão¹.
Luiz Carlos Merten aborda o novo filme “Cry Macho - o Caminho para Redenção” dirigido e estrelado por Clint Eastwood. Aos 91 anos o ator/diretor continua ativo e dá credibilidade aos velhos personagens que dirige/interpreta. Você pode até não gostar dele pelo viés machista, conservador, republicano (foi prefeito de Carmel-by-the-sea, Calif. USA), mas não poderá negar que dirige e produz bons filmes. Celebrizado nos faroestes espaguete como pistoleiro sem nome, empoeirado sob um poncho ensebado, barba por fazer e cigarrilha onipresente nos lábios, mudou o estereótipo dos heróis nos faroestes americanos. Em 1992 produziu, dirigiu e interpretou “Os imperdoáveis”, filme considerado “cultural, histórico e esteticamente significativo” pela Biblioteca do Congresso dos USA (2004). Faturou quatro óscares, inclusive o de melhor filme e melhor diretor. Perdeu na categoria Ator Principal para Al Pacino. Em “Perfume de mulher”, inesquecível a cena em que Pacino vivendo um militar cego rodopia e cruza pernas com a bela Gabrielle Anwar, ao som de “Por una cabeza”. A cena do tango ajudou na fatura do Oscar.
No mais novo filme, Clint Eastwood também dança. Em vez de tango, bolero. Enlaça uma viúva e deslisa “Sabor a mi”, um dos maiores sucessos de Eydie Gormè.
Na Indaiatuba, dos anos 40/50, havia cinema e bar lindeiros, ambos com nome Rex. O bar necessário à inocente boemia interiorana, sem drogas, baladas ou ficadas. Alguns dos enturmados sequer bebiam. O Rex era diferente do modelo usual dos bares: casa adaptada, com jardim e quintal, quartos transformados em salas, com alguma privacidade. Ali comemorávamos aniversários, vitórias esportivas ou simplesmente jogávamos conversa fora. O episódio que vou narrar, foi retirado de um livro de crônicas indaiatubanas “Nos tempos do Bar Rex” (1949-1974)².
Em Nova York (1944), grupo afinadíssimo formado pelo porto-riquenho Hernando Aulez e dois mexicanos Alfredo Gil e Chucho Navarro mostraria ao mundo que boleros ficavam agradáveis cantados em trio. A eles juntar-se-ia Eydie Gormè (Edith Gormezano) talentosa cantora americana da época. O trio tornado quarteto vendeu milhões de discos, do 78 rpm ao vinil.
Em 1957, excursionando pelo Brasil, o Trio Los Panchos (Gormé já deixara o grupo) apresentou-se no Cine Rex. Casa cheia. Cadê o Alfredo Gil?!? Nada de começar o show. Dois desenxabidos artistas entraram no palco e começaram cantar. Cessado o falatório da plateia, irritadiça pelo atraso, gritos e pancadas puderam ser ouvidas. Vinham do fundo da coxia. O gerente da casa, em ansiosa pressa para assistir ao show internacional, trancara o sanitário por fora sem perceber que havia gente dentro. Não foi “pancho” -- homem calmo, tranquilo, em tradução literal -- o liberto do insólito cárcere. O furibundo mexicano correu ao palco para completar o trio, sem esquecer de brindar seu carcereiro com impropérios destinados a enlamear a reputação “de las madres” em qualquer idioma ou qualquer país.
O episódio demonstra que um trio vocal costuma ser composto por três cantores. Mas, assim como nas pesquisas de opinião ou voto, considerada a margem de erro, pode variar de dois a quatro.
1 Estadão, Afeto e Redenção 16/09/2021 pag. H1
2 - Penna, A.C. - Nos tempos do Bar Rex pag. 102 - Rumograf, 2010
Edgard Steffen (edgard.steffen@gmail.com) é médico, escritor e membro da Academia Sorocabana de Letras (ASL).