O uso não médico dos medicamentos e suas consequências: um indicador nefasto
Artigo escrito por Lumara, Rômulo e Yoko
Lumara Juliana Santos de Souza
Rômulo Tadeu Dias de Oliveira
Yoko Oshima-Franco
Medicamento é “[...] produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, que contém um ou mais fármacos e outras substâncias, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico.” Apesar da clareza da finalidade os medicamentos lideram o ranking de intoxicações no Brasil, que resultam em atendimento nas emergências toxicológicas, hospitalização e óbitos. As razões mais comuns incluem variedade de formulações presentes no mercado varejista, automedicação, proliferação de farmácias e drogarias que facilitam o acesso de forma indiscriminada, erros de prescrição médica, interação medicamentosa, dispensação farmacêutica, distribuição, controle e até marketing, em um cenário que reflete o uso irracional dos medicamentos, com vários atores que compartilham responsabilidades, inclusive o consumidor.
A existência dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica em apenas certas municipalidades sugere que a intoxicação seja subnotificada no País. Os registros são realizados pela Rede Nacional de Centros de Informação e Assistência Toxicológica ao Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), que, por sua vez, coordena a coleta, compila, analisa e divulga os casos de intoxicação e envenenamento notificados. A notificação é compulsória em dois casos: 1) envenenamentos por animais peçonhentos, por conta desta modalidade de intoxicação ser um problema de saúde pública, listada como doença negligenciada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e pelo fato do antiveneno ser produzido, distribuído e controlado por órgãos do setor público; 2) nas mortes decorrentes por tentativas de suicídio.
A abordagem a seguir é resultante da análise de dados oficiais provenientes do Sinitox no período de 2010 a 2017. Foram 459.440 casos de intoxicação por medicamentos, com o maior número na região Sul (228.086), Sudeste (165.838), Centro-Oeste (45.865), Nordeste (20.065) e Norte (1.586). As circunstâncias mostraram tentativa de suicídio, 43%; acidentes individuais, 35%; uso terapêutico, 11%; erro de administração, 6%; automedicação, 3%; uso indevido, 1% e prescrição médica inadequada, 1%.
O índice de mortalidade nas regiões (em % da população), pela estimativa de densidade demográfica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística para 2020, foi de: 0,001, Sul; 0,0002, Sudeste; 0,001, Centro-Oeste; 0,0002, Nordeste; e não ocorreram óbitos por medicamentos no Norte. As mortes ocorreram por tentativa de suicídio, 86%; 7%, uso médico do medicamento; 5%, uso individual; 1%., prescrição médica inadequada e 1%, erro de administração.
Quanto à faixa etária, foi maior em adultos, crianças, adolescentes e idosos -- nesta sequência --; enquanto o índice de mortalidade foi em idosos (0,6%), adultos (0,2%), adolescentes (0,1%) e crianças (0,02%), mostrando que a mortalidade em idosos chega a ser 30 vezes maior que em crianças, três vezes maior que em adultos e seis vezes maior que em adolescentes. Quanto aos óbitos por gênero, apesar do total de intoxicações ser maior nas mulheres que em homens, a mortalidade foi similar entre eles (0,17% e 0,16%, respectivamente). A OMS estima que casos de óbitos por intoxicações acometam cerca de 0,1 a 0,4% da população, sendo o suicídio um fenômeno social bastante complexo e considerado um grave problema de saúde pública mundial. O comportamento suicida contém a ideação suicida, o planejamento para o suicídio, a tentativa e o suicídio em si.
No Brasil, a Portaria Nº 1.876, de 14 de agosto de 2006, instituiu as Diretrizes Nacionais do Suicídio para implantação em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão, enquanto a Lei n° 13.818/2019 instituiu a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio no Brasil (PNPAS), a fim de prevenir o suicídio. O uso do medicamento como ferramenta para concretizar uma tentativa de suicídio e nefasto indicador de morte devem ser amplamente discutidos pela sociedade. Este grave problema de saúde pública necessita de fiscalização, medidas preventivas como educação em saúde para a população e participação ativa e efetiva de profissionais da saúde com foco no uso racional de medicamentos.
Resultado do Trabalho de Conclusão de Curso da aluna Lumara Juliana Santos de Souza, do curso de Farmácia da Uniso, com a orientação do professor Rômulo Tadeu Dias de Oliveira e colaboração da professora Yoko Oshima-Franco, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Uniso. (romulo.oliveira@prof.uniso.br)