A autoconstrução de moradias e seus riscos
Essa combinação colabora para o aumento da exclusão social, da vulnerabilidade das habitações e ocupação irregular
Mário Sérgio Killian
Autoconstrução pode ser entendida como uma modalidade de produção de uma moradia pelo proprietário do terreno e com ajuda de parentes e amigos. Essa forma de construção é bastante comum em bairros periféricos ou ainda em terrenos invadidos ou com documentação irregular, tratando-se de uma cultura disseminada em inúmeras regiões e em todas as cidades na atualidade.
É de conhecimento geral que a população de baixa renda encontra dificuldades para a compra de imóvel ou financiamento para reformas e construções, sendo essa solução um alternativa de muitas famílias para conseguirem um abrigo e melhores condições de vida. Nos bairros mais populares a maioria das casas foi construída sem uma assistência técnica, resultando em problemas estruturais e condições críticas para a saúde, pois não possuem padrões construtivos mínimos.
Alguns fatores são responsáveis pelo surgimento de localidades impróprias para moradia e pelas chamadas submoradias: o aumento da população nas áreas urbanas, o crescimento desordenado das cidades, a dificuldade de valores acessíveis, a complexidade de planejamento urbano, entre outros, que apontam para mais de 84% da população mundial localizadas em áreas urbanas. Essa combinação colabora para o aumento da exclusão social e consequentemente da vulnerabilidade das habitações e ocupação irregular de áreas de risco, além de provocar impactos ambientais e problemas de saúde pública.
Importante considerar que uma moradia adequada é um direito humano universal, e possibilita a melhoria da saúde e bem-estar, além de impactar diretamente a vida das pessoas e de diversos setores de uma população, sendo a solução uma questão complexa.
Sendo assim, a autoconstrução também é resultante de causas estruturais, renda e dificuldades de financiamento, e não somente da escolha pessoal do proprietário em produzir sua própria moradia.
O panorama torna-se preocupante e encontra-se presente em qualquer cidade, é o fato de que aproximadamente 85% das obras não utilizarem serviços especializados de arquiteto, técnico ou engenheiro em todas as etapas, e na necessidade e opção por produzir a sua própria moradia o proprietário incorre em diversos erros de origem técnica e na maioria dos casos infringindo a legislação vigente que trata do tema, já que não há acompanhamento de controle técnico, ocasionando inclusive riscos graves relacionados a deficiências construtivas. Outro efeito é o excesso de material desperdiçado e aumento dos gastos inicialmente previstos, que podem ultrapassar 30%.
A maioria as pessoas que optam por serviços de construção civil sem assistência de um profissional qualificado imaginam tratar-se de uma etapa cara e desnecessária. Todo esse contexto pode gerar retrabalho e até demolição de partes mal construídas, perda de tempo em especificações e compras, dificuldade de conseguir a documentação de prefeitura, alvarás e regularização junto aos órgãos federais e cartórios.
Numerosas residências em risco de colapso e portadores de danos irreversíveis, vistoriadas pelos órgãos de defesa civil municipal foram construídas sem orientação técnica, ficando sujeita a avarias e problemas estruturais, podendo inclusive causar acidentes com vítimas fatais, tendo em vista que os eventos naturais são agravantes e inevitáveis.
Muitos dos desafios para a mitigação desse grave problema passam por questões educacionais, políticas, culturais e econômicas, cabendo a todos tomar consciência do perigo que a autoconstrução traz e procurar ajuda e informações para solucionar da melhor maneira possível, quando da decisão de construir ou reformar.
Mário Sérgio Killian é engenheiro civil e de segurança do trabalho e professor da Universidade de Sorocaba (Uniso)