Tentações de Cristo e da Igreja

Jesus não vive a missão messiânica simplesmente para resolver os problemas econômicos do mundo

Por Cruzeiro do Sul

Dom Julio Endi Akamine.

Dom Julio Endi Akamine

 

As tentações de Cristo não são propriamente de ordem moral. São tentações messiânicas. Dito em outras palavras: são projetos alternativos que Satanás apresenta para substituir o projeto do Pai; são propostas falsas para viver a missão; consistem em formas de salvação ao modo e à medida de Satanás! Satanás tem um “projeto de salvação para o mundo e para a humanidade”, e ele é apresentado para Jesus! Nisso está a tentação.

A primeira tentação é a tentação do pão. Depois de passar 40 dias sem nada comer, Jesus sentiu fome. Jesus buscava o mais alto e acabou por se encontrar com o mais urgente. Ele desejava viver da Palavra de Deus, mas descobriu a necessidade mais imediata e imperativa do pão. É nesse momento que a voz de Deus parece se calar. Permanece somente a voz da fome que ressoa não só no estômago, mas sobretudo no coração. É nesse momento que o diabo faz a sua proposta: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se mude em pão”. O Diabo parece um bom conselheiro. Descobriu a necessidade material e insiste nela. Quer que Jesus empenhe sua divindade no aspecto puramente econômico do homem; quer que Ele resolva os problemas de alimentação. No fim das contas, o Diabo deseja que Jesus faça da riqueza material o ídolo da humanidade.

Jesus responde: “Não só de pão vive o homem”. Não é que Jesus se revolte contra o pão. Não é que ignore os que passam fome no mundo: ele os ajuda com todos os meios, principalmente fazendo de sua vida alimento para os famintos. Jesus, porém, não quer comprar as pessoas com o pão. Ele não vive a missão messiânica simplesmente para resolver os problemas econômicos do mundo. Ele não pensa que a resolução de todos os problemas se limite à economia.

A segunda tentação é a do poder. Sozinho no deserto, Jesus experimenta que maior do que o apetite de alimento é a fome de poder. Ele experimenta como é desejável mandar nos outros, organizando e dispondo da vida dos outros. Afinal, Jesus não veio para governar o mundo? Não é ele o príncipe da paz? Não deve ele construir a unidade de toda a humanidade?

O diabo é bom tentador: soube escolher a palavra certa, tem a capacidade de mostrar todo o poder e a glória do mundo, sabe como ninguém mostrar como é sedutora a possibilidade de possuir todo o poder e glória do mundo. Deve, porém, por fim, explicar que tudo isso tem um preço: “Tudo isso será teu... se te prostrares diante de mim”. O Diabo exige adoração; oferece o poder, mas exige em troca servidão a ele!

Jesus responde com a Palavra de Deus: “Adorarás o Senhor teu Deus, e só a Ele servirás”. Só Deus merece adoração! O poder não deve ser adorado! Não podemos adorar o esplendor do mundo no lugar de Deus! Adorar Deus é libertador, porque Deus não é um poder que se impõe, mas graça que liberta! Sua adoração não exige em troca a servidão. A verdadeira liberdade não se consegue por meio da força, nem pode se estruturar em controle absoluto.

Hoje vemos como temos meios para manipular as consciências, como podemos vencer influenciando por meio de notícias falsas e desinformação. A Igreja deve entrar na mesma lógica de controle da consciência? Infelizmente há muitos “cristãos” que desejam que a Igreja use dos recursos de poder para controlar e submeter as consciências.

A terceira tentação é a da segurança religiosa que consiste em dispor de Deus para ter a certeza da proximidade visível dEle. É a tentação de querer manipular Deus em favor das pessoas. É a tentação de quem quer se apresentar como representante de Deus, empregando para isso o poder dos milagres.

O diabo soube escolher bem esta tentação. Todos sofremos a tentação de trazer Deus ao próprio controle. Temos necessidade de sinais evidentes da proximidade e da proteção de Deus; temos a necessidade de termos as respostas definitivas e miraculosas. O diabo propôs a Jesus que se utilize do poder de Deus para se impor aos indecisos e medrosos da terra.

A resposta de Jesus é clara: “Não tentarás o Senhor teu Deus”. Jesus desmascara a vontade que temos de manipular Deus para os nossos interesses. Tentar Deus significa empregar o seu nome a meu serviço, como prova impositiva que resolve meus problemas. Deus não pretende se impor às consciências! Ele não quer subjugar pela força dos milagres.

A Igreja sempre deverá enfrentar a tentação de buscar o religioso para obter boa reputação, renome e prestígio, de seguir Jesus, tendo em vista obter honras para si.

Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba