Filmes da Netflix: ‘Ataque dos cães’ (parte 5 de 6)

Artigo escrito por Nildo Benedetti

Por Cruzeiro do Sul

George (Jesse Plemons ) e Rose (Kirsten Dunst): casamento de pessoas maduras, contidas e virtuosas.

Caro leitor, por várias razões optei por reduzi para seis o número de partes da análise deste filme.

“Ataque de cães” desconstrói a imagem dos homens e mulheres do faroeste. Além de Phil, também George, Peter e Rose são personagens muito mais humanos e, portanto, mais complexos e incompreensíveis do que os seus esquemáticos correspondentes das narrativas míticas da conquista do Oeste.

George, por exemplo, pouco tem a ver com a figura do homem bem sucedido do faroeste, que vive rodeado de capangas violentos que garantem a manutenção de seu patrimônio contra ambiciosos e corruptos usurpadores de terra e gado alheios.

Peter é também a desconstrução dos adolescentes dos faroestes. Estes são valentes, de personalidade que já sinaliza para o bravo que se tornará quando adulto. Penso que Peter contém todos os paradoxos da adolescência. Sua personalidade, incluindo sua sexualidade, são um dos vários mistérios insolúveis do filme. Ele destoa totalmente do ambiente por sua vestimenta e modos afeminados. É capaz de matar um coelho para desenhar os órgãos e músculos do animal e, ao mesmo tempo é apaixonado por flores. Mas, a despeito de sua aparente fragilidade, foi capaz de arquitetar um plano para assassinar Phil, motivado, como diz na abertura do filme, para salvar a mãe: “que tipo de homem eu seria se não ajudasse minha mãe, se não a salvasse?”. Peter manobrou a homossexualidade de Phil ao lhe lançar discretos olhares sedutores enquanto este tecia a corda que o levaria à morte horrenda.

Rose é também a figura feminina dos faroestes tradicionais descontruída neste filme. De modo geral, a divisão entre bons e maus no faroeste só existe para os homens. As mulheres, sempre dignas de amor ou de piedade, dividem-se em dois tipos: o primeiro é o da jovem virgem virtuosa, que será conquistada por meio de provas que o pretendente deverá enfrentar. O segundo é o da mulher do “saloon”, prostituta de grande coração e fibra, geralmente apaixonada pelo herói e que o salva ou tenta salvá-lo de um perigo. Existem variações em torno desses dois tipos femininos, mas, de modo geral, os faroestes seguem esse esquema simplificado. Rose é uma viúva lutadora que cuida o melhor que pode do filho Peter. Mas ela não tem a personalidade suficientemente agressiva das mulheres dos faroestes para se rebelar contra as provocações de Phil. Sente-se encurralada em um ambiente familiar que lhe é hostil e socialmente estranho e, incapaz de reagir, refugia-se no álcool.

Para compreender o que leva Rose a aceitar sem qualquer sinal de revolta uma vida doméstica que lhe causa grande sofrimento, é preciso considerar o papel da mulher na família da década de 1920. Contudo, penso que sua atitude decorre, além das demandas daquela realidade social, outros fatores: conveniência maternal e material, amor e sentimento de gratidão pelo marido George, que realmente é um homem que mesmo uma mulher decepcionada com o gênero masculino como Rose tem razões de sobra de amar. George, embora aparentemente se aproxime de Rose por compaixão, acaba se apaixonando por ela, porque vê nela virtudes que possivelmente passariam desapercebidas a outro homem menos dotado de sabedoria.

Conclui na próxima semana.

Esta série de artigos está incluída no projeto Cine Reflexão da Fundec

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