Globalização sob remodelagem
Mas o que é preciso saber é se, uma vez normalizadas as relações econômicas e políticas (...) o processo de globalização (...) não voltará a ser retomado
Alguns analistas têm afirmado que dois grandes choques, o da pandemia e o da guerra da Ucrânia vêm provocando drástica reversão do processo de globalização que comandou as relações de produção e muito das relações políticas nas últimas três décadas
Há sim, um movimento de revisão de práticas até agora entendidas como globalizadoras, mas é preciso saber quanto é abrangente e até que ponto, irreversível.
As primeiras dúvidas sobre o futuro da globalização surgiram com o relativo sucesso do Brexit, com o fortalecimento dos movimentos separatistas, que sugeriram mais nações e menos blocos de nações. O crescente protecionismo comercial dos Estados Unidos e da Europa, de hostilidade à abertura comercial e à importação de produtos asiáticos, especialmente da China, também foi nessa direção.
O crescimento dos movimentos nacionalistas de direita, quase todos eles exasperantemente xenófobos e contrários à acolhida de refugiados, aumentou essa impressão.
A pandemia desestruturou o sistema just in time, uma das mais importantes instituições integradoras da globalização, que organizava a produção e a criação de cadeias de distribuição. As fábricas tiveram de interromper as atividades à medida que seus funcionários tiveram de cumprir quarentenas e isolamento social para conter o avanço do coronavírus. Os navios ficaram retidos nos portos, porque as tripulações foram contaminadas. Faltaram chips, peças, máquinas, matérias-primas e tudo o mais para dar continuidade à produção. As empresas foram obrigadas a trabalhar com mais estoques, situação que aumentou os custos de almoxarifado, pessoal e capital de giro.
Assim, as empresas tiveram de procurar fornecimentos não onde fossem mais baratos e mais eficazes, mas onde os pudessem encontrar.
O desmonte das cadeias de produção e distribuição foi acentuado com a guerra, que encareceu matérias primas, como fertilizantes, metais, petróleo e alimentos.
Mas isso não conta a história toda. A Europa se uniu ainda mais. Os orçamentos de Defesa dos blocos foram reforçados. A resposta à agressão da Rússia teve coordenação e rapidez. Os sistemas espaciais de comunicação foram acionados. E isso é mais globalização, e não menos.
É provável que o mundo comece a assistir a processo de remapeamento da ordem mundial, como tantos observadores preveem.
Mas o que é preciso saber é se, uma vez normalizadas as relações econômicas e políticas, ainda impactadas pela pandemia e, agora, pela guerra na Ucrânia, o processo de globalização, inclusive em sua dimensão microeconômica, não voltará a ser retomado, se não por outra razão, simplesmente porque essa arrumação é mais eficaz para o desempenho da economia mundial e dos negócios.
Celso Ming é comentarista de economia