A Europa atolada em conflitos
Na quinta-feira (21), o Banco Central Europeu (BCE) aumentou os juros pela primeira vez em 11 anos
A Europa enfrenta grave conflito de prioridades. Não sabe se põe força total para garantir o cumprimento das metas ambientais ou se trata primeiramente de assegurar a segurança energética.
Esses dois objetivos contraditórios produzem estresse econômico e político. A forte onda de calor e de incêndios que se espraia pela França, Espanha, Portugal, Itália e Inglaterra exige ação imediata dos governos para combater a exacerbação do efeito estufa e a promoção da substituição mais rápida da energia de fonte fóssil pela energia de fonte limpa e sustentável.
No entanto, a guerra na Ucrânia e as sanções contra a Rússia são fatores que aumentam a dependência de gás natural russo. Ao mesmo tempo, tornam inevitável a reativação das usinas térmicas a carvão e a outros derivados de petróleo.
Mesmo não tendo chegado o auge do verão no Hemisfério Norte, as autoridades já temem pelo que haverá de queima de combustíveis fósseis destinados a garantir o aquecimento ao longo do inverno.
O presidente Putin avançou sinais de que pretende anexar territórios da Ucrânia. Se isso se confirmar, tenderá a exigir respostas ainda mais contundentes do Ocidente que, por sua vez, poderá bloquear o fornecimento de gás russo para a Europa. Nada menos que 55% do gás natural consumido pela Alemanha em 2021 foi de origem russa. A Itália depende do suprimento russo em 40%. As autoridades europeias parecem ter começado a preparar a opinião pública para a necessidade de racionamento de gás e de combustíveis.
A União Europeia ainda tem de enfrentar as consequências da insegurança alimentar, produzida pela queda das importações de trigo tanto da Ucrânia como da Rússia. Não há como prever como as respostas de política econômica ao redor do mundo tratarão de administrar esses conflitos. Mas já se podem antever as consequências.
A primeira é a inflação que já vem atacando os países avançados. Em junho, nos Estados Unidos, o Índice de Preços ao Consumidor em 12 meses chegou a 9,1%, o mais alto desde 1981. Na área do euro, ficou em 8,6%.
Outra consequência será a desaceleração do crescimento econômico, ainda não confirmada nos Estados Unidos, mas inevitável na Europa. O tombo do euro ante o dólar mostra essa fraqueza. Na quinta-feira (21), o Banco Central Europeu (BCE) aumentou os juros pela primeira vez em 11 anos. E menos trivial ainda que esta primeira alta tenha sido uma pancada de 0,5 ponto porcentual -- e não de menos.
Como as autoridades são inevitavelmente cobradas pela alta da inflação e pela freada no avanço do PIB, ainda está para ser avaliado o custo político dessas tensões. Embora tenham sido provocados por outros fatores, a demissão do primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, e a demissão não acatada do primeiro-ministro da Itália, Mario Draghi, em algum grau podem ser debitadas às novas dificuldades políticas.
Celso Ming é comentarista de economia