Filmes da Netlix: ‘Um marido fiel’ (parte 3 de 5)
Concluí o artigo da semana passada escrevendo que o amor narcisista é uma ilusão. De fato, o apaixonado costuma dizer que seu par é maravilhoso, inteligente etc. Depois de um tempo, essa figura fabulosa se dissipa e dá lugar à realidade de um convívio que pode ser construtivo ou mesmo destrutivo como assistimos na vida cotidiana.
Lacan afirma que o amor que resiste ao tempo não é o da imagem idealizada do outro, mas é o que nos leva a gostar de tudo do outro. Se amamos alguém, não nos cansamos dele como ocorre não só com respeito aos nossos filhos, mas também quando amamos profundamente pais ou irmãos. Quando se ama, ama-se Tudo: o rosto, o vulto, o modo de falar, seus defeitos, suas manias, suas bizarrias, suas imperfeições, até mesmo seus comportamentos irritantes que nos fazem odiá-la momentaneamente. E na velhice, amamos suas rugas, seu andar trôpego, sua escoliose, suas varizes e estremecemos frente à possibilidade de perdê-la, porque a morte do ser amado pode ter efeito avassalador sobre o sobrevivente.
Quando somos presas de um grande amor, geralmente exigimos possessão absoluta, demonstrada no ciúme menos ou mais evidente. E aqui nos deparamos com mais um dos inumeráveis paradoxos do amor: queremos que nossos parceiros sejam nossos prisioneiros, não porque os mantemos aprisionados, mas porque eles assim o desejam; queremos que eles renunciem livremente à sua liberdade
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Para ampliar nosso discurso sobre amor é necessário retomar um conceito fundamental da psicanálise lacaniana, o de “desejo”, sobre o qual também escrevi livro “Filmes para pensar, volume 2”.
O desejo não se restringe ao desejo sexual, como geralmente entendemos o termo. É assimilado à vocação, à energia vital, ao impulso, à inclinação, à aspiração que move nossos interesses. É a realização plena da vida no trabalho, no amor, no ato de estar junto de alguém, na cultura, no ato de escrever etc. Ele já se manifesta nas crianças quando mostram aptidões por números, desenhos, histórias. Na adolescência, principalmente, mas não só nessa fase, o problema do ser humano é decifrar sua vocação, o desejo que o habita, porque a voz do desejo é inconsciente e, portanto, manifesta-se numa linguagem estranha ao sujeito. Esse fato justifica a dificuldade de muitos adolescentes de escolher a profissão que lhes dará prazer. Mas o desejo que mora em nós é indestrutível e continua inconscientemente a nos chamar em sua direção.
Desejo não pode ser confundido com necessidade. A necessidade é dirigida a um objeto capaz de satisfazer sua urgência por exemplo, a água que sacia a sede , mas o desejo é nutrido não por objetos, mas por sinais e tem um longo período de duração.
Em “Psicologia de grupo e a análise do ego”, Freud escreveu sobre a dependência psicológica de um indivíduo com respeito a outros indivíduos com os quais tem alguma forma de relação. De fato, o primeiro desejo do ser humano é ser objeto de desejo do outro. Somos movidos pelo “Desejo do Outro”, que é o desejo de sermos amados, de sermos reconhecidos como singulares, de sabermos que temos um significado para o outro. Desejamos ser desejados pelo outro. O apelo “Ouça-me!” que gritamos ao nascer se repete por toda a vida e só pode ser satisfeito com sermos ouvidos.