O Desejo e a Revelação
Todo ser humano traz no seu coração o desejo de se encontrar pessoalmente com Deus
A todo momento, o ser humano constata o que não lhe satisfaz. Mesmo a experiência mais autêntica e verdadeira do bem, do amor, da alegria, mesmo as conquistas mais bonitas da sua liberdade e da sua criatividade não conseguem satisfazer o seu coração inquieto: ele sempre deseja algo mais, sempre busca e almeja uma felicidade maior, uma realização mais elevada e plena de si mesmo.
Nisso consiste o mistério de cada um de nós: o ser humano é um buscador do Absoluto. Através de pequenos passos, por meio de resultados incertos e de conquistas parciais, o ser humano busca e deseja o Absoluto. Esse objetivo de sua vida, porém, ele não o alcança sozinho nem pelas suas próprias forças. Só atinge a realização de seu desejo de Absoluto porque este lhe vem ao encontro. Assim o ser humano constata que sem a iniciativa de um Outro o encontro não seria possível.
É exatamente essa iniciativa do Totalmente-Outro, que vem ao encontro do ser humano, que nós chamamos de revelação divina.
Pela razão natural, o homem pode conhecer Deus com certeza, a partir das suas obras. Mas existe outra ordem de conhecimento, que o homem de modo nenhum pode atingir por suas próprias forças: a da Revelação divina. Por uma vontade absolutamente livre, Deus Se revela e Se dá ao homem. Ele faz isso revelando o seu mistério, o desígnio benevolente que estabeleceu em Cristo, em favor de todos os homens. Revela plenamente o seu desígnio, enviando o seu Filho bem-amado, nosso Senhor Jesus Cristo, e o Espírito Santo. Aprouve a Deus, na sua sabedoria e bondade, Se revelar a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da Sua vontade, segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina (CatIgCat 50-51).
A Revelação é mais do que comunicação de leis, preceitos e informações. Deus, em sua bondade e condescendência, Se aproxima para Se revelar e Se doar ao homem e para lhe revelar o seu desígnio de salvação.
O que Deus revela não é algo alheio ao próprio Deus. O objeto e o conteúdo da revelação não é primeiramente um conjunto de ideias e de doutrinas, mas é o próprio Deus: Ele mesmo Se revela. Assim o sujeito (Deus) e o objeto da revelação (Deus) coincidem. É aquilo que nós chamamos de autorrevelação divina.
A Revelação é a característica peculiar da fé cristã. De fato, o cristianismo não é mera religião formada de ritos, doutrinas e normas morais, tampouco é religião do livro. O cristianismo vive da experiência histórica da manifestação pessoal de Deus (=Revelação).
Sendo uma atividade pessoal de Deus, a Revelação não é uma ação necessária ou um processo involuntário de Deus, como uma emanação. Como ação pessoal, Deus empenha seu próprio ser e inclui a si mesmo na revelação. Além disso, a revelação é um gesto de amor no qual o Deus transcendente condescende para se fazer próximo do ser humano e para o chamar à comunhão consigo.
As ideologias de nosso tempo vão na contramão do encontro pessoal. Elas erram ao reivindicar com arrogância o que só pode se dar no encontro entre pessoas e experimentam como humilhação a gratuidade. A experiência da revelação divina é antídoto contra a pretensão de ser deus sem Deus.
O ser humano deseja ser mais do que ele é por natureza. Esse desejo não é punido por Deus como o delito de Prometeu. Pelo contrário, encontra em Deus uma plenitude que o ser humano não pode se dar, mas que pode ser acolhida com humildade e gratidão.
Dom Julio Endi Akamine é arcebispo metropolitano da Arquidiocese de Sorocaba