Filmes da Netlix: ‘Um marido fiel’ (parte 4 de 5)
Encerrei o artigo da semana passada escrevendo que somos movidos pelo “Desejo do Outro”, que decorre de nossa necessidade de termos um significado para alguém. Essa forma de desejo implica dois sujeitos: um que pede para ser reconhecido e outro que reconhece o valor desse pedido. “Amor demanda amor”, diz Lacan e, por isso, desejamos ter algum valor para o outro.
O ser humano se alimenta do sinal do reconhecimento, da palavra que vem do outro. O “Desejo do Outro” pode propiciar proteção, segurança, mas pode também ser fonte de angústia. Essa angústia ocorre quando estamos à mercê do desejo do outro, quando nos tornamos um objeto indefeso ante as demandas insaciáveis do outro. Não é o nosso desejo que busca o desejo do outro, mas é o desejo do outro que nos torna presas da angústia. Várias formas de relação conjugal mostram alguém preso a um outro que o faz sofrer, mas de quem não consegue se libertar - embora cite ou invente motivos aparentemente sinceros para permanecer preso à relação destrutiva.
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E o que ocorre quando se destrói uma relação em que muitas vezes foram gerados filhos, que foi sedimentada durante uma longa vida de companheirismo, de compartilhamento de dores e alegrias, de trocas de palavras sinceras de amor, quando um diz ao outro, mais ou menos de supetão, que a relação não é mais a mesma coisa, seja porque se esvaziou ao longo da vida, seja pela presença de uma terceira parte? É o momento em que ocorre o trauma da perda, que coloca o rejeitado no mais completo abandono. É a perda do “Desejo do Outro”. O mundo não é mais o mesmo. É a descoberta de que a maior vulnerabilidade do ser humano está em viver a dois. Por isso, temos medo de que alguém tome nosso lugar e ficamos angustiados diante da possibilidade de sermos substituídos. Essa condição de abandono, de perda, será superada com maior ou menor sofrimento, conforme a organização psíquica do rejeitado. Em casos extremos pode acarretar a desgraça de levar a um crime passional, principalmente ao feminicídio. A amiga de Leonora mostra alguns dos geradores de atritos em casais que se desfazem: “O divórcio é uma troca comercial: dinheiro, casa, filhos. E depois há o outro lado da troca: ameaças, revelações, quem diz o quê aos filhos, de quem é a culpa. Convém ter algo para negociar”.
Por que tantos casais do filme se separam?
A resposta a essa pergunta é complexa, envolve uma série de fatores interligados e por isso pode ser dada sob diversas perspectivas. O que me proponho a mostrar é que o comportamento desses casais pode ser parcialmente explicado pela transformação das subjetividades no neoliberalismo que vigora há quatro décadas. Para efetuar essa abordagem, recorrerei ao livro “A nova razão do mundo ensaio sobre a sociedade neoliberal” do filósofo Pierre Dardot e o sociólogo Christian Laval. Essa obra tem o mérito de mostrar como relações sociais da contemporaneidade neoliberal determinam a psicologia individual.
Os autores definem neoliberalismo como o conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos homens segundo o princípio universal da concorrência e o modelo de empresa como forma de comportamento individual. Ou seja, o indivíduo passa a ser empresário de si próprio.